Cada pronunciamento seu encerra uma surpresa. Às vezes a surpresa vem pela obviedade da afirmação. Outras, pelo inusitado da comparação. O presidente Lula, mesmo nos discursos que leva escritos, no bolso, consegue surpreender nas janelas que abre de improviso. É psicólogo – como disseram outro dia. É conselheiro, como acontece na maioria das vezes. É, com freqüência, um cidadão cheio de dúvidas que não faz a mínima cerimônia para colocá-las na ordem do dia, naturalmente com um endereço certo atrás delas. Foi isso que aconteceu, por exemplo, na última terça-feira, quando discursou em Brasília durante um evento promovido pela Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB.

A dúvida de Lula, desta vez, coincide com a dúvida de muitos brasileiros. Por que alguém se dispõe a pagar juros de 12% ao mês? “Eu não consigo compreender – disse o presidente – por que alguém vai num banco tirar dinheiro com cartão de crédito para pagar 12% de juros ao mês.”

Apontado o problema, Lula mostrou a solução: “Eu não consigo compreender por que as pessoas não se organizam em cooperativas de crédito para saírem do sistema financeiro a juros escorchantes”. Segundo o presidente, nenhuma lei (e a Constituição trata disso!) vai resolver o problema. A solução estaria na organização de cooperativas e, assim, terminou seu discurso anunciando a intenção do governo de facilitar a vida dessas organizações. Desde a sua formação, hoje nada fácil devido às exigências burocráticas que incidem também sobre qualquer empresa.

O caminho apontado por Lula deve ser compreendido no contexto do ato do qual participava. Era o Dia Internacional do Cooperativismo – um convite natural à reflexão apontada no discurso presidencial e palco ideal para anunciar os estudos que uma equipe interministerial está realizando para a elaboração do projeto de uma nova lei do cooperativismo. Além disso, Lula antecipou que o governo estuda a realização de uma campanha institucional para valorizar as cooperativas.

Delas – as cooperativas – já tivemos e temos muitas no Brasil. E muitas falharam exatamente por falta de compreensão da natureza de uma cooperativa. Tanto do lado dos dirigentes eleitos, quanto do lado dos associados insatisfeitos, independentemente do objeto que motivou o mutirão. A experiência cooperativista brasileira, salvo honrosas exceções, não é das melhores. Estaria aqui o primeiro obstáculo a ser vencido para que o argumento presidencial obtenha os resultados esperados. Mas deixando de lado o que está por vir, fixemo-nos apenas na pergunta de Lula para ver se, dentro da realidade que atravessamos, existem respostas adequadas. “Por que alguém paga juro de 12% ao mês?”

Já que inimigo do próprio bolso ninguém é, há que existir uma razão muito forte para alguém, mesmo sabendo que a exigência é “escorchante”, submeter-se à ordem econômica em vigor, com a qual – é desnecessário dizer – concorda o governo. E, naturalmente, a resposta será sempre aquela óbvia, da necessidade inadiável do dinheiro. O governo também paga o mico com as altas taxas de juros de nossa dívida externa e interna. A diferença é que ele busca a grana no bolso dos contribuintes via aumento de taxas, impostos e contribuições.

Agora mesmo estamos vivendo um momento delicado com o anunciado aumento das tarifas de serviços públicos. Luz, água, telefone, combustível, transporte… tudo sobe regido por contratos cujo teor desconhecemos, mas que o próprio governo ensina que precisam ser cumpridos para que nada turve a sempre buscada estabilidade. No começo, Lula chegou a dizer que sabia dos aumentos pelos jornais, no dia seguinte. Percebeu a bom tempo que o discurso postiço não se sustentaria por muito tempo. E silenciou. Deveria agora refletir também um pouco mais antes de fazer uma pergunta dessas. Descobriria, por certo, algumas causas. E a menos que lhe faleça a vontade política de outrora, poderia tentar um esforço extra para encontrar o remédio adequado.

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