A paz, enfim

Digam lá o que queiram dizer, todos os que só conseguem enxergar o lado ruim da vida e das coisas. Mas o abraço que se deram o ex-presidente Itamar Franco e o presidente Fernando Henrique Cardoso em público e diante das câmaras, depois de praticamente seis anos de críticas também públicas, ataques de lado a lado e arranhões de todos os naipes, precisa assumir um lugar especial na história dos esforços brasileiros para a construção da identidade de sua gente. A paz, selada com sorrisos e diplomáticos elogios, antes que se diga que é um gesto politiqueiro em meio à campanha eleitoral, é melhor que seja vista como um exemplo de superação de dificuldades e maus humores em benefício de causas gerais que interessam ao povo brasileiro.

Faz bem ao coração e à alma viver em paz de verdade. Mas a harmonia entre suseranos faz sempre muito melhor aos súditos. Desde os velhos tempos, o fabulista Esopo dizia que enquanto os deuses brigam no Olimpo quem sai perdendo e tremem são as rãs no banhado. Itamar Franco, como governador de Minas Gerais, e FHC, como chefe supremo da Nação, envolveram pessoas, estruturas e opinião pública em veleidades pessoais, questiúnculas particulares, rancores ocasionais. Foi memorável o indisfarçado uso das forças policiais do Estado de Minas ao redor de uma usina hidrelétrica, assim como também estão frescas na memória as múltiplas escaramuças envolvendo a fazenda da família do presidente em terras mineiras sob fogo cruzado de sem-terra reivindicantes. É comezinho que as desavenças entre União e Estado só podem favorecer – como no Rio de Janeiro ou no Espírito Santo – a cidadania desgovernada ou constituída ao redor do império do crime.

Mas a pacificação em apreço tem significado maior por acontecer durante ato que pretendia comemorar um fato de maior importância para a vida de todos – o oitavo aniversário do Plano Real, instituído à época de Itamar presidente que, vendo-se em apuros, chamou FHC para o Ministério da Fazenda. Itamar nunca apreciou a falta de memória dos que pretenderam negar-lhe os méritos pela façanha até aqui bem sucedida de debelar o monstro da inflação que roubava de todos a percepção do nosso descomunal desperdício. Depois de tanto plano mal sucedido, nem o FMI acreditava no plano de Itamar. Falar bem a verdade, aquela história de moeda provisória chamada URV era ironizada também pelos brasileiros. E a história – como sublinhou FHC – “não se borra com borracha. Nem os stalinistas conseguiram”…

Em meio a outra turbulência – de Norte a Sul não há segurança social nem econômica, e isto tornou-se o “problema central do País” – o apaziguamento dos espíritos das lideranças é importante também para a estratégia de defesa dos liderados. Que aprendam isso todos os candidatos, já pelas articulações ideologicamente mesclados até não mais poder. Ao povo, mais que cartas de princípios e longos enunciados, interessam práticos resultados. E tanto Itamar quanto FHC, que a seu tempo detém méritos particulares por erros e acertos na condução do plano festejado, devem perceber claramente que nem tudo são flores. Afinal, nem a fumaça que o cachimbo da paz exala consegue esconder, por exemplo, que o frango dos pobres também sobe de preço, ou que o bujão de gás de cozinha que, há oito anos custava menos que cinco reais, hoje custa quase trinta. Como diriam os romanos, para que a paz seja duradoura, é preciso estar preparado para a guerra.

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