A ordem é azeitar

“Quando a gente estava na oposição, achava que dava para fazer as coisas de um jeito e agora se viu que não dá.” Sabedoria do deputado professor Luizinho, vice-líder do governo na Câmara, para explicar os motivos pelos quais houve tanta mudança entre a teoria pregada pelo PT no palanque e a prática do governo do PT no Planalto. Esse raciocínio, que passa ao largo do já suficientemente explicitado estelionato eleitoral, explicaria também o famoso “pão, pão, queijo, queijo”, repetido pelo presidente Lula, que continua encontrando argumentos novos para justificar a desesperança que já grassa no tecido social brasileiro: quando se assume o poder, nem sempre é possível fazer o sonhado. Portanto, nem o prometido. Mas por qual motivo Lula continua prometendo?

Pois bem. Mas primeiro de tudo seria de bom tamanho que o PT, que hoje é governo, decidisse o que realmente quer ser de verdade. Se quer ser governo, ou se pretende continuar fazendo oposição. E isso não é tão simples quanto parece. Sabe-se disso pelo que escapa das infindáveis reuniões dos caciques do partido e das posições discrepantes assumidas publicamente por ministros de uma equipe de governo sem unidade e que tem no vice-presidente, talvez, o exemplo maior dessa falta de sintonia. E de rumos.

Questões ligadas às reformas da Previdência e tributária, à proibição dos alimentos geneticamente modificados (transgênicos) e ao equivocado desvio da previsão de verbas para a Saúde Pública no Orçamento de 2004 deram bem idéia do tamanho das divisões internas do partido que tem obrigação de dar sustentação e conteúdo ao governo do presidente Lula. O debate sobre as taxas de juros, de um lado, que mais incomodam os de casa que os partidos de oposição, e o fracasso das iniciativas até aqui tomadas na área social, de outro, também concorrem para essa evidência, afora a constatação de que a promessa mais importante – a geração de novos empregos – não está sendo cumprida ante outra constatação, não menos desanimadora: o prometido espetáculo do crescimento da economia, complemento indispensável para dar sentido ao programa Fome Zero, não passa de uma representação de quinta categoria em via pública para transeuntes ocasionais. Nem se fale do escândalo irrompido com a ministra Benedita da Silva, em cujo socorro nem os santos argentinos vieram…

Decepcionados, até mesmo os integrantes da ala majoritária do partido (há muito tempo o chamado “grupo dos radicais” extrapolou o quarteto liderado pela senadora Heloísa Helena, ainda sob a espada de Dâmocles da retardada expulsão por infidelidade) reclamam da falta de “uma marca” ao governo Lula e entre eles está também o presidente da Câmara, João Paulo Cunha, para quem, depois de ter viajado aos Estados Unidos para perder o principal compromisso da viagem, “é preciso mostrar mais ação na área social”. “Superávit primário é bom, mas não mata a fome”, diz outro deputado – o ex-metalúrgico Devanir Ribeiro -, acrescentando que o próprio companheiro Lula “está aflito para ver os resultados da política econômica” e para “acabar com a fome e o desemprego” cada vez maiores. Por tudo isso e muito mais, o deputado Fernando Gabeira já pulou fora. Atirando também nas dicotomias da política internacional brasileira da atualidade.

Tudo isso é batata quente nas mãos de José Genoíno, o presidente do partido que ensaiou até aprender a conjugar um novo verbo: azeitar. Isto é, impedir que a fricção decorrente dos entrechoques internos causados por insatisfações e decepções acabe ateando fogo numa legenda que, infelizmente para o País, vive o terrível dilema de assobiar e chupar cana ao mesmo tempo. “Vivemos num aprendizado” – diz ele -um “momento de equilibrar a condição de ser governo e ter autonomia”. Assim, promete “azeitar as relações com companheirismo”, e fazer “a pactuação interna para construir as alianças de 2004 e evitar disputas desnecessárias”. Ora, se não sabe o que quer, nem para onde vai, lutar pelo poder é despicativo. Gastem quanto azeite quiserem. A menos que -ai de nós! – o poder para eles seja o fim último.

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