A OAB e o processo de instituição da Súmula Constitucional

A III Conferência da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Paraná, realizada de 14 a 16 de agosto, em Curitiba, teve por tema o "Advogado e a Reforma do Judiciário". No intuito de contribuir com o debate, apresentamos tese à Tribuna Livre versando sobre a nova Súmula Constitucional. Aprovada, a tese foi enviada para análise e deliberação da Secional Paraná. Nela sugerimos que o Conselho Federal da OAB participe propositivamente e fiscalize o processo de instituição da Súmula Constitucional pelo STF, inclusive com alterações em seu Regimento Interno. A preocupação, como adiante se verá, é que há ainda alguma imprecisão no novo texto Constitucional e a OAB deve contribuir para que a instituição da Súmula Constitucional venha a atingir seu último desiderato: a prestação de serviço judiciário eficiente ao cidadão.

A EC 45 trouxe a Súmula Constitucional de efeito vinculante, que obriga os órgãos do Poder Judiciário e os entes públicos da administração direta e indireta a seguirem a fórmula adotada após reiteradas decisões do STF. A instituição desta súmula deverá seguir processo interna corporis ao Tribunal, devendo este observar os requisitos dados pelo novel texto Constitucional. São duas as espécies de requisitos para a positivação do novo instrumento: 1.º) formais e 2.º) substanciais. São formais: i) início por ofício; ii) ou provocação de legitimado da ADI; iii) votação por 2/3 dos membros do STF; iv) quantificação das reiteradas decisões sobre matéria constitucional; v) obrigatoriedade de publicação na imprensa oficial; vi) limitação às normas determinadas; vii) a explicitação da controvérsia atual entre órgãos judiciários; viii) ou a explicitação da controvérsia entre órgãos judiciários e a administração pública; ix) demonstração de grave insegurança jurídica; x) ou a demonstração da multiplicação de processos sobre questão idêntica. Os elementos substanciais são dados pelo parágrafo 1.º do art 103-A, que ordena ser objeto da súmula constitucional: i) a validade de norma, ou seja, a vigência ou não de norma positiva no sistema jurídico/constitucional; ii) a interpretação de norma posta, sua hermenêutica, significado jurídico e melhor adequação ao sistema, face à supremacia da Constituição; e iii) a eficácia de norma positivada, sua propriedade e produção de força e/ou efeito. Há também a previsão de flexibilidade quanto à perenidade da Súmula Constitucional: pode ser posta, depois modificada e/ou revogada, obrigando-se a submissão aos requisitos para todo o processo de positivação e/ou atualização.

Quanto às súmulas atuais, o texto Constitucional trouxe a possibilidade se tornarem vinculantes, desde que aprovadas por 2/3 dos Ministros do Supremo e publicadas na imprensa oficial. Mesmo assim, penso que a OAB deve tornar pública a necessidade de serem somente adotadas as Súmulas Constitucionais após amplo debate, com discussão pública e prévia para o estabelecimento de processo criterioso de sua instituição pelo STF.

Desde já, pode-se observar que alguns elementos necessitarão, para melhor aclaramento, de explícita participação dos advogados, v. g. a "quantificação" das reiteradas decisões sobre matéria Constitucional, dentre outras. Quantas decisões serão necessárias para caracterizá-la? Como será a demonstração de grave insegurança jurídica? Ou como se dará a prova de multiplicação de processos sobre questão idêntica? Estes são alguns aspectos que não estão claros, necessitando urgente atenção da OAB.

Há ainda entre os operadores do Direito reserva quanto ao novo instrumento Constitucional, sobretudo no que tange à tripartição de poderes. Não pode prosperar essa alegação. Esclarecemos, na mesma oportunidade da III Conferência da OAB, que a Súmula Constitucional não agride a separação de poderes, pois o novo texto do art. 103-A, parágrafo 1.º trás que a "súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia". Ora, a Súmula Constitucional é posterior à norma objeto da polêmica jurídica e com ela não se confunde.

Para dirimir de forma inequívoca o falso problema, trazemos o seguinte julgado:

"O ordenamento normativo nada mais é senão a sua própria interpretação, notadamente quando a exegese das leis e da Constituição emanar do Poder Judiciário, cujos pronunciamentos qualificam-se pela nota da definitividade. A interpretação, qualquer que seja o método hermeneutico utilizado, tem por objetivo definir o sentido e esclarecer o alcance de determinado preceito inscrito no ordenamento positivo do Estado, não se confundindo, por isso mesmo, com o ato estatal de produção normativa. Em uma palavra: o exercício de interpretação da Constituição e dos textos legais por caracterizar atividade típica dos Juízes e Tribunais não importa em usurpação das atribuições normativas dos demais Poderes da República." (STF 2.ª T. Agr. Reg. em Agr. Inst. N.º 250.730-1/MG Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 07 abr. 2000, p. 51)

Portanto, a Súmula Constitucional enquadra-se em mais uma ferramenta que resume, esclarece, torna transparente, define o valor Constitucional a ser protegido, depois de reiteradas decisões sobre matéria Constitucional. Assim, nada mais normal que os outros Tribunais também sigam essa orientação. Neste sentido, a lição de KONRAD HESSE:

"Ora, se ao Supremo Tribunal Federal compete, precipuamente, a guarda da Constituição Federal, é certo que a sua interpretação do texto constitucional deve ser acompanhada pelos demais Tribunais, em decorrência do efeito definitivo absoluto outorgado à sua decisão. Não se pode, com a manutenção de decisões divergentes, diminuir a eficácia das decisões do Supremo Tribunal Federal. Contrariamente, a manutenção de soluções divergentes sobre o mesmo tema, em instâncias inferiores, provocaria, além da desconsideração do próprio conteúdo da decisão desta Corte, última intérprete do texto constitucional, a fragilização da força normativa da Constituição." (in A Força Normativa da Constituição, tradução de Gilmar Mendes, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1.991)

A Súmula Constitucional vem, pois, somar-se às outras ferramentas Constitucionais para auxiliar na tarefa de validade, interpretação e eficácia da norma Constitucional, cabendo ao STF, dentro de sua competência de dicção da Constituição e cúpula do Poder Judiciário brasileiro, estabelecê-las para a pacificação da controvérsia em torno de matérias Constitucionais. Observemos que a Súmula Constitucional só será instituída em conseqüência de lei que gere polêmica e instabilidade jurídica comprovadas em grande quantidade de ações. Portanto, não se confundem Súmula Constitucional e Lei. Aquela é conseqüência desta, a Súmula melhor define, interpreta a lei que lhe é anterior.

Pela nossa proposta a OAB, via Conselho Federal, deve propor e acompanhar o estabelecimento do processo e critério para a adoção da Súmula Constitucional sugerindo, inclusive, a devida alteração regimental do STF, para que este se adapte ao novo texto Constitucional, esclarecendo pontos que ficaram carentes de exegese, como os acima ligeiramente abordados. Temos plena convicção de que, agindo assim, a OAB estará contribuindo para o aperfeiçoamento de nosso sistema jurídico/Constitucional, melhorando a qualidade do serviço ao jurisdicionado, colaborando de forma democrática na conquista e manutenção da cidadania.

Guilherme Amintas Pazinato da Silva é mestre em Direito do Estado pela UFPR, advogado em Brasília-DF.

Email: guilhermeamintas@pop.com.br

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