A mística do santinho

Como ocorre na relação da imprensa com todas as áreas de atividades, a indústria gráfica também é objeto de pautas sazonais. Uma delas é infalível em todo ano eleitoral: as campanhas políticas representam um estímulo ao setor? A resposta? Bem, se os partidos políticos e algumas instituições, às vezes estatais, não tivessem suas próprias gráficas, se muitos políticos que contratam serviços no mercado não se tornassem inadimplentes após a campanha, se muito impresso não se configurasse como doação eleitoral… se… se … se…, as eleições poderiam representar um acréscimo sensível no faturamento das gráficas brasileiras.

No entanto, há questões muito mais significativas envolvendo o setor neste momento do que a possibilidade de faturar um pouco mais com a impressão dos famosos “santinhos”, panfletos e outros ícones do marketing eleitoral. Uma delas é o Projeto de Lei 1.491/99, do Executivo, por meio do qual a União procura estabelecer o monopólio de entregas em todo o País para a ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos). A proposta, se aprovada, sacrificaria milhares de empregos e ameaçaria a sobrevivência de centenas de empresas, desde a indústria gráfica, passando por centrais de informações e transmissão de dados, até os entregadores de pizza.

Outro fator grave é o projeto de lei, também em trâmite no Congresso, permitindo à Casa da Moeda (é, sim, aquela que imprime o dinheiro brasileiro, responsabilidade de máxima segurança) entrar no mercado privado de fabricação de smart cards. Os dois projetos, curiosamente, contemplam a possibilidade de as duas instituições estatais firmarem alianças com empresas do Exterior para operar em mercados de vocação eminentemente privada.

Além dessas ameaças da Era de Aquários, a indústria gráfica enfrenta insidiosos problemas remanescentes do século passado. Dentre eles, a concorrência desleal de gráficas estatais, de partidos políticos e de instituições religiosas, que não pagam impostos e, com este questionável (mas eficaz) diferencial competitivo, roubam fatias do mercado. É no mínimo curioso o fato de surgirem projetos, que se somam a vícios do passado, voltados à participação estatal em mercados que, em todo o mundo civilizado, são de competência da iniciativa privada. Considerando-se o processo gigantesco de privatização verificado nos sete anos do atual governo, a coisa torna-se, mais do que paradoxal, surrealista.

Não bastassem essas questões que a pressionam diretamente, não se pode esquecer que a indústria gráfica brasileira está sujeita às vicissitudes e caprichos, claro, da economia brasileira. Assim, também sofre, e muito, com problemas como a inexistência de uma política econômica de longo prazo com foco no crescimento sustentável, oscilações do câmbio e dos juros, impostos onerosos, alterações abruptas das regras do jogo e falta de energia elétrica, seguida (que coincidência…) de aumento brutal do preço da energia elétrica.

Diante de tantas e tão delicadas questões, é lícito e possível ampliar o espectro da análise sobre a influência das eleições na performance das gráficas. Muito além da mística da impressão de “santinhos”, o voto direto será um efetivo fator de estímulo e fortalecimento do parque gráfico, bem como de todos os setores de atividades e da economia nacional, quando nomear aos cargos eletivos, brasileiros verdadeiramente comprometidos com os reais preceitos do desenvolvimento, das leis de mercado e da justiça social, princípios que caracterizam hoje as mais bem-sucedidas nações.

Mário César de Camargo

é empresário gráfico, administrador de empresas e bacharel em Direito e presidente da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf).

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