A mídia e o BNDES

O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Carlos Lessa, não praticou nenhuma inconfidência ao comentar, durante entrevista coletiva que tinha por tema principal o caso Valepar, que todo o setor da mídia passa por graves dificuldades financeiras. “Todas as empresas desse setor, em situação diferenciada, estão sem condições de aproveitar a retomada, o espetáculo do crescimento”, afirmou Lessa. De fato, não há empresa do setor que não tenha sido atingida pela crise, em maior ou menor grau, e não esteja fazendo o possível para reequilibrar suas contas. O Grupo Estado, por exemplo, acaba de repactuar suas dívidas, no quadro de uma profunda – e dolorosa -reestruturação corporativa.

O professor Carlos Lessa descreveu com exatidão a profundidade da crise. Acertou, também, ao elencar as causas do abalo do setor: “A maioria está endividada em dólar; a economia não cresceu e, com isso, houve menos investimento em publicidade; e muitas acreditaram na telemática.” Também houve, é claro, acidentes de percurso na administração de algumas delas. Mas o fato é que, das três causas citadas pelo presidente do BNDES, duas decorrem diretamente de políticas governamentais que levaram as empresas de mídia – e não apenas elas – ao desequilíbrio. Os equipamentos e parte substancial dos insumos usados pelo setor de comunicação, da televisão ao jornal, são importados. Além disso, antes da mudança da política cambial de 1999, todas as empresas do setor se endividaram em dólar, mesmo porque não havia alternativa. A desvalorização do real frente ao dólar, determinada pelo governo, transformou empresas sólidas e prósperas em grandes devedoras que mal faturavam para pagar o serviço da dívida. A estagnação da economia, de fato, reduziu a publicidade em proporções inéditas na história da imprensa brasileira. Mas é preciso ver que a redução da atividade se deveu em grande parte à política de juros, que tornou proibitivos investimentos de qualquer natureza e reduziu substancialmente o consumo. Isso, pelo lado da receita das empresas de mídia; pelo lado dos gastos, os juros elevados apertaram a traquéia de empresas que já mal conseguiam respirar. Em resumo, respondendo à ironia do professor Lessa: “As empresas foram em bloco pedir hospitalização no BNDES” porque, sem faixa de segurança, foram “em bloco” atropeladas por políticas de governo.

Essa situação, a bem da verdade, foi criada durante o governo Fernando Henrique. Tanto assim que, na etapa final da campanha eleitoral, as entidades representativas das empresas do setor procuraram os quatro candidatos à Presidência, para colocá-los a par da crise e discutir as saídas possíveis. Só não conseguiram falar com o candidato Luiz Inácio Lula da Silva, que estava com a agenda cheia. Lula recebeu os representantes do setor logo depois que tomou posse. Reconheceu que a crise era aflitiva e se dispôs a procurar soluções. Lembrou que a mídia era o único setor da economia brasileira que não contava com o crédito de longo prazo e com juros módicos do BNDES – o que constituía, afinal, um tratamento negativamente diferenciado.

Desde então, o governo, por um lado, e as entidades representativas da mídia, por outro, estão estudando meios para evitar que crises como a atual – desencadeada por reformas cambiais e agravada pela política de juros – inviabilizem as empresas de mídia.

A grande preocupação, revelada pelos principais ministros do governo nos primeiros contatos que tiveram com os representantes da mídia, é evitar que uma crise como essa acabe com a imprensa independente, deixando no mercado apenas as empresas dominadas por políticos, por seitas religiosas ou pelos murdochs tupiniquins, que já começam a se aproveitar das vulnerabilidades do setor.

A imprensa brasileira tem a exata noção de seu papel no processo democrático, tanto que não tem poupado o presidente do BNDES de críticas, quando julga que ele as merece. E o governo Lula, é necessário que se diga, compreende perfeitamente o valor da liberdade de expressão para a preservação do regime democrático e em nenhum momento deu mostras ou levantou suspeitas de que pretende colocar a imprensa de joelhos, como chegou a afirmar um velho empresário do setor – mesmo porque sabe que isso não será possível enquanto estiver em vigor a Constituição de 88.

As empresas de comunicação não estão pedindo privilégios nem o governo os está oferecendo. Querem apenas tratamento idêntico ao recebido pelos outros setores da economia que procuram o BNDES. E o pleito está sendo estudado, como afirmou o presidente do banco, porque “nenhum País pode sobreviver sem uma robusta indústria de comunicação”.

(Reproduzido de O Estado de S.Paulo, página 3, edição de 26/fevereiro/2003)

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