A justiça brasileira sob o crivo da inspeção da ONU

A eminente advogada Asma Jahandir, enviada da ONU, teve curta e explosiva passagem pelo Brasil, aonde veio para relatar crimes de execuções sumárias, que ocorrem em nosso território com impressionante facilidade, deixando seus autores, sejam os mandantes, sejam os jagunços que os executam, totalmente impunes.

Horrorizada com o que viu e ouviu, propôs, ao final, a vinda de observador para apurar as causas do imobilismo, lentidão e ataraxia da Justiça brasileira.

Sua proposta, bastante sensata, recebeu vigorosa repulsa do Judiciário, que se sente mortalmente atingido, apregoando, ainda, que estaria havendo atentado à soberania nacional.

Tal reação, nervosa e emocional, se deve ao fato de a Justiça estar sendo constantemente acutilada pelo Executivo, que não disfarça sua manifesta intenção de emasculá-la, certamente para que não incomode os desmandos e saqueios perpetrados por nossa lamentável classe política.

Contudo, a proposta em si, que vem apoiada pelo chefe do Executivo, o que afasta a pretensa lesão à nossa soberania, poderá ajudar – e muito – a Justiça brasileira a obter apoio para a sua causa, que é distribuir Justiça para todos, objetivo que não é só seu, mas também do nosso povo, destinatário de sua ação e de todo o seu empenho.

Sabe-se que as coisas do Justiça não andam bem, menos por culpa dos juízes, que são dedicados, cultos e honrados, procurando cumprir sua missão institucional da melhor forma, e mais porque a estrutura legal montada pelas oligarquias neutraliza a sua ação e não o deixa fazer trabalho melhor.

Está mais do que claro que o crime organizado, que tem várias ramificações, começando pela principal, que é a política, onde a esmagadora maioria é eleita com dinheiro do narcotráfico e dos banqueiros, sem se falar nos rentáveis cultos evangélicos, como dizia, o crime organizado não tem medo da ação da Justiça, que sabe limitada, precária e inconclusiva. Além de libertar com extrema rapidez autores de crimes estarrecedores, o rigor das penas não chega a atemorizar a bandidagem.

Assim, o Judiciário está manietado por um emaranhado de leis que não correspondem às necessidades atuais, que estão superadas no tempo e no espaço, que não resolvem os prementes problemas da complexa sociedade brasileira.

Veja-se, pois, que a Justiça está condicionada por lei a agir somente mediante provocação, nunca por iniciativa própria, de modo que, ao tomar conhecimento de que pessoas são assassinadas porque estão incomodando quadrilhas, oligarquias e grupos poderosos, não pode fazer absolutamente nada, ficando na dependência da polícia, a quem incumbe investigar e identificar os autores de tais crimes, que eventualmente serão denunciados ao Judiciário pelo Ministério Público, sendo digno de nota que tanto aquele como este são órgãos do e controlado pelo Executivo, o que significa que os culpados somente serão levados à barra dos Tribunais se este Poder, que controla tudo na vida brasileira, tiver interesse.

Este é um dos nós da questão: veja-se, por exemplo, o que ocorre com o caso PC Farias, que não chega a lugar nenhum, apesar de algumas pessoas terem arriscado suas vidas para que o caso chegasse ao Judiciário. Os resultados, até agora, são pífios.

O que incomoda, o que não é concebível é que o Judiciário se mostre conformado com esse estado de coisas, em que ele nada pode fazer, porque não tem a iniciativa da investigação, mesmo sabendo que a polícia nada vai apurar e seja bem provável que o Ministério Público, através de sua cúpula, engajada e comprometida com os governantes, engavete este ou aquele processo, segundo critérios políticos.

Nos Estados Unidos, País campeão das liberdades civis, a Suprema Corte tem um órgão de investigação, que faz denúncias e abre processo contra pessoas, grupos e organizações que estejam praticando ou acobertando crimes, de modo que ninguém escapa ao crivo do Judiciário. O ex-presidente Bill Clinton foi processado por esse órgão e sabemos que foi alvo de apuração rigorosa, que não deixou nada livre de sua ação e rigor.

Em alguns países, entre eles a Itália, desde longa data, o Judiciário abrange o Ministério Público, formando com ele uma instituição una, em que os seus integrantes ora atuam como Juízes, ora como Promotores Públicos.

Outra interferência inadmissível do Executivo sobre o Judiciário é a nomeação dos juízes dos tribunais superiores, em Brasília, todos nomeados de forma exclusiva pelo próprio presidente da República. Que Justiça é essa que aceita que a sua cúpula seja nomeada por políticos, segundo seus critérios canhestros e bissextos? Como pode um cidadão que nunca julgou um único caso em sua vida, tomar assento na Corte Suprema (ou no STJ), sem qualquer experiência prévia? Será que basta sentar-se numa daquelas cadeiras, para ir realizando uma função que exige anos, talvez décadas de experiência, cultura, estudos e trabalho para chegar a um julgamento tecnicamente bom?

Concluindo, devo dizer que a vinda de um observador da ONU ajudará a nossa Justiça a situar-se corretamente dentro do conjunto das forças vivas da nação, permitindo que tenha um desempenho ainda melhor, com mais objetividade. Essa avaliação nada nos custará e será de extrema valia e deixará visível, para o mundo, as farsas e artimanhas engendradas pela politicalha nativa, casta que legisla e governa de forma absolutamente pusilânime e inescrupulosa, pautada pela perpetuação de seus poderes e privilégios, que não têm mais lugar no mundo moderno.

Dagoberto Loureiro

é juiz federal aposentado.

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