A isenção de Cofins, a decisão do STF e a hierarquia das leis

Imagine-se um quartel militar, em que o general dá ordens ao coronel, este comanda o tenente que subordina um sargento, responsável pelos soldados. Tal como um quartel sedimentou-se a noção de que o Direito, enquanto conjunto de regras que regem a vida social é estruturado de forma hierárquica: há normas (regras) com posição privilegiada em relação a outras que lhes devem obediência.

O Direito também é composto de contradições em suas normas. Voltemos ao exemplo anterior e imaginemos a circunstância do coronel determinar que os soldados estão dispensados de trabalhar nos finais de semana, enquanto o tenente ordena a apresentação imediata, aos domingos. No caso sob análise, os soldados terão de fazer uma escolha: a quem obedecer: ao coronel ou ao tenente? Esse tipo de problema os operadores do Direito são obrigados a enfrentar, cotidianamente. Não houvesse tal situação e o Poder Judiciário, os advogados e todos os órgãos envolvendo a Justiça teriam suas funções muito reduzidas.

Ao longo dos tempos, os juristas foram obrigados a criar critérios que permitissem a escolha de uma norma perante a outra, quando contradições de tal vulto fossem identificadas. E um critério que se revelou seguro é o da hierarquia: norma superior prevalece sobre inferior.

É essa discussão que envolve a Cofins sobre atividades de prestação de serviços de profissão legalmente regulamentada. Havia isenção do tributo, englobando tais atividades, instituída por Lei Complementar e que foi revogada por Lei Ordinária. Para parcela relevante do Poder Judiciário, como o Superior Tribunal de Justiça, Lei Complementar é hierarquicamente superior à Lei Ordinária, de modo que a isenção deve prevalecer (a ordem do coronel não pode ser modificada pela vontade do tenente).

O Supremo Tribunal Federal entende de forma diversa, como confirmou nova decisão. Para seus ministros, não há relação de hierarquia entre Lei Complementar e Lei Ordinária. Portanto, a norma mais recente (Lei Ordinária) deve prevalecer. Como se o coronel (em vez do tenente) tivesse emitido a seguinte proposição: ?Mudei de idéia. Ignorem a última ordem e compareçam no próximo domingo?.

A decisão do STF ainda pode ser revertida. Porém, o incidente é rico ao demonstrar como o Direito, enquanto objeto cultural é suscetível a discussões, disputas e controvérsias. Definitivamente, não comporta respostas prontas e definitivas.

Charles McNaughton é advogado especialista em Direito Tributário.

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