A investigação parlamentar e a separação dos poderes

Montesquieu, em seu clássico O espírito das leis, afirmou que ?a experiência eterna mostra que todo homem que tem poder é tentado a abusar dele; vai até onde encontra limites. Para que isso não ocorra é preciso que o poder freie o poder?. E o Poder Legislativo, além de exercer sua atividade típica de elaborar leis, exerce outras igualmente importantes, como as administrativas, as de cooperação com o Poder Executivo, mas também a de traçar os seus limites para evitar abusos, seja pelo controle e fiscalização(1), seja pelo exercício de atividade investigatória, para frear e controlar os órgãos públicos e seus próprios integrantes.

É na Constituição Federal(2) (CF/1988), que nos deparamos com o berço do poder investigatório das Casas do Congresso Nacional (CN), com a expressão previsão de que as ?comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados (CD) e pelo Senado Federal (SF), em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo?.

Contudo, da mesma forma que o SF e a CD funcionam como freio da Administração direta e indireta, incumbe ao Poder Judiciário a atuação como contrapeso da atividade investigatória do Poder Legislativo, explicitando, na forma da Constituição cidadã, os limites dessa atividade extraordinária e democrática.

A atividade investigatória do Poder Legislativo com poderes próprios de autoridades judiciais deve observar a delimitação do objeto da CPI para a apuração de fato determinado e por prazo certo, pois ?Nenhum parlamentar pode, sem descumprimento de dever de ofício, consentir no desvirtuamento do propósito que haja norteado a criação de CPI e na conseqüente ineficácia de suas atividades?. (MS 25.885-MC, Rel. Min. Cezar Peluso, decisão monocrática, DJ de 24/3/2006).

O inquérito parlamentar, realizado por qualquer CPI, é verdade, qualifica-se como procedimento jurídico-constitucional revestido de autonomia e dotado de finalidade própria, mas, ainda assim, as CPI?s não podem decretar bloqueios de bens, prisões preventivas e buscas e apreensões de documentos de pessoas físicas ou jurídicas, sem ordem judicial. (MS 23.455, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 7/12/2000), sendo exclusivo de membros do Poder Judiciário, salvo o estado de flagrância, a decretação de prisão (MS 23.452, Celso de Mello).

A investigação de iniciativa parlamentar, concretizada por atos de comissões parlamentares de inquérito, apresenta inúmeras vantagens em comparação com a investigação policial, dentre as quais destacamos a visibilidade e ênfase de um tema de interesse nacional; o debate por representantes da sociedade brasileira; a amplitude da reflexão social; a imunidade das palavras e opiniões do parlamentar, no exercício de seu cargo e funções, que não se submetem a interferência de terceiros; possibilidade de propositura de soluções de ordem normativa no relatório da CPI; projetos de lei para coibir a reiteração de práticas ilegais detectadas no curso da investigação parlamentar e que tramitarão em regime de urgência.

Por outro lado, infelizmente, toda atividade pública também incorre em pontos controversos como a limitação de tempo de duração da CPI, prejudicando o aprofundamento das investigações e a superexposição dos dados e informações colhidas, das pessoas envolvidas e dos parlamentares que a integram, tendo em vista a grande importância dos trabalhos das CPIs e o decorrente destaque inerente às suas atividades com incessante despertar dos temas discutidos perante a população e a mídia.

Por ocasião da CPMI das Ambulâncias, a Polícia Federal (PF) trabalhou em plena harmonia e integração com os congressistas da comissão parlamentar de inquérito, através dos Delegados designados para compor a Força-Tarefa da operação ?Sanguessuga?, tendo o STF autorizado o compartilhamento de dados cadastrais, depoimentos, documentos fiscais, bancários, auditorias da Controladoria-Geral da União (CGU) e ?hardisks? apreendidos na operação policial.

Esse exemplo de trabalho conjunto pode ser considerado uma das maiores contribuições da Polícia Federal, para com a função investigativa do Poder Legislativo. Este modelo de investigação vem sendo aperfeiçoado continuamente com o apoio da PF, nos moldes do contorno constitucional do instituto da investigação parlamentar trazido pelo STF, na melhor aplicação da teoria dos freios e contrapesos.

Notas:

(1) art. 49, inciso X da Constituição Federal.

(2) art. 58, § 3.º, da Constituição Federal.

Getúlio Bezerra Santos é delegado de Polícia Federal, diretor de Combate ao Crime Organizado.

Rodrigo Carneiro Gomes é delegado de Polícia Federal, pós-graduado em segurança pública e defesa social (MBA).

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