A injustiça de ser Juiz do Trabalho

O excesso de processos urgentes para julgar, determinando diariamente o destino de milhares de trabalhadores, faz do Juiz do Trabalho um dos profissionais mais exauridos do país. Um estudo da Universidade Pontifícia Católica de Campinas (Pucamp) apontou que os juízes trabalhistas sofrem mais de estresse do que policiais militares: 71% dos 75 magistrados pesquisados apresentaram sinais de estafa e comprometimento da vida familiar por causa do ofício.

Os advogados que atuam da Justiça do Trabalho já sabiam disso faz tempo, mas só agora uma pesquisa independente comprovou a tragédia anunciada da impossibilidade humana de se continuar a fazer Justiça nessas condições. Cada ministro do Tribunal Superior de Trabalho têm, em média, 5 mil processos solucionais para resolver. Na Justiça do Trabalho, a sobrecarga cresceu em uma proporção gigantesca: em 2003, o TST recebeu dois milhões de ações e julgou 96,2 mil casos, um aumento de quase 10% em relação a 2002. Para piorar, o rito processual é complicado por inúmeras leis, portarias e medidas provisórias ditadas diariamente, com pouca preocupação sobre o impacto que causarão na rotina de juízes, advogados, réus e reclamantes.

Além do excesso de casos a serem resolvidos, pesa também o impacto que cada julgamento tem sobre as pessoas simples e desamparadas do povo. A rotina de um juiz trabalhista envolve atender reclamantes humildes, que não podem tolerar a lentidão da Justiça brasileira. Para eles, a decisão trabalhista pode significar o sustento no final do mês e a sobrevivência familiar. Com a deterioração das relações trabalhistas, é cada vez mais difícil distinguir se a parte mais fraca é o empregado ou o empregador. Ambos são vítimas de perda brutal de renda e de uma crescente carga tributária e ainda tentam vencer as ameaças constantes do desemprego e da falência.

Em artigo para a revista Legislação do Trabalho, o juiz Hamilton Aparecido Malheiros, de Maceió, descreve o retrato dramático de seu cotidiano em um dos mais desassistidos estados do país. Malheiros conta que, entre as ações que analisa diariamente, estão dezenas de casos de supostos empregadores com renda não superior a dois salários mínimos, que, por isso, não cumprem obrigações tributárias e previdenciárias. Que tipo de relação trabalhista ele terá com um funcionário ou mesmo com o Governo, se o faturamento é insuficiente até para as despesas mais primárias? Como manter a serenidade de um juiz em questões muito abaixo da normalidade legal?

Diante do acúmulo de situações semelhantes diante dos olhos, o juiz trabalhista só poderia apresentar um estresse insuportável. Como apontaram os pesquisadores da Pucamp, a magistratura “envolve grande responsabilidade por seu impacto na sociedade e pela solidão pronunciada que envolve o ato de julgar”.

A reforma do Judiciário, aumentando o número de juízes e racionalizando os trâmites dos tribunais, é indispensável para mudar esse quadro. A Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) já se posicionou, reivindica o aumento do número de juízes do TST dos atuais 17 para 27. A Associação defende a criação de um Conselho Nacional de Justiça, órgão composto por magistrados de todos os níveis e representantes da sociedade para “a construção de um novo modelo de administração da Justiça, calcado na independência da magistratura, na gestão transparente dos recursos públicos e na eficiência dos serviços”. O governo já estuda um Projeto de Emenda Constitucional que, ainda que não pareça ser a solução definitiva, pode ajudar a agilizar o Poder Judiciário brasileiro.

Mais do que reformar o Judiciário, a sociedade está longe de reformar a si mesma e ao país, deixando-o mais justo socialmente e com oportunidades de trabalho dignas aos cidadãos. Quando a porcentagem de desemprego é superior a 20% da população economicamente ativa e a miséria deixa de ser uma preocupação para se exibir nas ruas, é quase impossível evitar que essa fatura de crise não seja cobrada da Justiça Trabalhista. Que, ao menos, a elite do país, não pratique mais injustiça contra o Juiz do Trabalho.

Sylvia Romano

é advogada em São Paulo-SP

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