A igreja reivindica

Usando de inconveniente incontinência verbal, o presidente Lula, em evento da Confederação Nacional da Indústria, disse que só Deus poderá impedir que ele faça com que o Brasil retome o lugar que merece. Em meio a essa profissão de fé, referiu-se aos que não o venceriam em seus patrióticos intentos, incluindo os poderes Legislativo e Judiciário. Felizmente, deu quase imediatas explicações, dizendo que não lhe passara pela cabeça desrespeitar os demais poderes da República, que, com o Executivo, fazem o tripé do governo democrático.

A crise institucional que se iniciava esvaiu-se, mas deixou a lição de que, como presidente, ele deve falar com mais moderação. E também, como lhe aconselham até mesmo companheiros de partido e de governo, falar menos. Isto não muda o seu merecido conceito de extraordinário orador, homem que fala a linguagem das massas e que, mesmo com baixa escolaridade, demonstra consistente sabedoria.

Acontece que, ao longo dos anos de militância sindical e política, Lula fez centenas, senão milhares de discursos e sempre com justas reivindicações para os seus liderados e para o povo. E poucas propostas concretas. E quando estas também fez, faltavam-lhes fundamentos, formulação, factibilidade. Faz uma profissão de fé respeitável, quando diz que só Deus o impedirá de recolocar o País no lugar que merece. Exagera, quando fala em recolocar, pois seria colocar, já que o nosso País nunca ocupou esse lugar por diversas circunstâncias, principalmente pela sucessão de políticos e políticas incompetentes que teve de suportar. Pois, depois de terem reclamado o Legislativo e o Executivo da linguagem usada pelo presidente na CNI, agora é Deus, por seus representantes, quem vai à presença do presidente para, se não discordar, ponderar e reivindicar. Dom Geraldo Magela Agnelo, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), acompanhado de dom Odílio Pedro Scherer, secretário-geral da CNBB; do arcebispo de São Paulo, dom Cláudio Hummes, e do cardeal-arcebispo de Mariana, dom Luciano Mendes de Almeida, disseram a Lula que é verdade que só Deus pode atrapalhar os planos do governo. Mas que já é hora de agir, mais do que de discursar. “Nós queremos urgência. Urgência. Porque o povo não pode ser mais agravado e aumentar a miséria, aumentar a fome no País”, afirmou o presidente da CNBB.

O tom foi de cobrança, mas a autoridade religiosa amainou sua intervenção dizendo que era previsível que esses primeiros meses de governo fossem de preparação. Mas que as ações concretas surjam daqui para a frente. “É um período ainda de estudo, de conhecimento da realidade e a gente sabia que de imediato não seria possível já chegar com um projeto feito”, ponderou dom Geraldo.

Após o encontro, o presidente da CNBB disse em entrevista que a urgência é necessária para que o “povo tenha condições de sobreviver dignamente” e não “viver apenas de assistencialismo”. E criticou o excesso de programas e ministérios na área social. Lula explicou-lhe que já estava providenciando para que tais programas se unifiquem e consolidem. Para tanto, montou um grupo de trabalho, chefiado pelo Ministério da Assistência e Promoção Social.

Vê-se, por esta reunião, que a paciência que o presidente da República tanto pede ainda persiste, mas está se esgotando porque os problemas do povo crescem e se agravam. E se só Deus poderia impedir a solução dos problemas do Brasil, nem ele admitirá uma espera que se faça com muitos discursos e pouca ou nenhuma ação.

Voltar ao topo