A ganância dos planos de saúde e a hora do basta!

Usuários da assistência supletiva bancaram 400% de reajustes na última década, mas empresas operadoras nada repassaram aos médicos e demais prestadores de serviços, demonstrando que o aumento dos custos é pretexto para encobrir mais lucros.

As dúvidas e a insegurança são marcantes entre os cerca de 2,2 milhões de paranaenses que lutam para manter os seus planos ou seguros de saúde, e outros tantos que alimentam a expectativa de ingressar na assistência supletiva, desviando-se do razoável mas saturado sistema público. O quadro de incertezas não é “privilégio” dos usuários dos serviços, sejam paranaenses ou de outros Estados. Alcança-nos a todos, os médicos e demais prestadores de serviços. Se não estamos “no mesmo barco”, usando o jargão popular, podemos garantir que estamos no mesmo mar revolto e traiçoeiro, onde ainda não há nenhum porto seguro de regras transparentes e isonômicas.

A medicina estimulada sob visões mercantilistas e de lucro fácil abriu barreiras na relação médico-paciente, comprometendo a qualidade da assistência, o acesso aos avanços técnico-científicos e a concepção hipocrática da profissão. Sob a batuta das operadoras, os planos e seguros de saúde experimentaram aumentos superiores a 400% na última década., ou 248,77% somente no período de janeiro de 1997 a abril de 2004, quando o Índice de Custo de Vida estimado pelo Dieese foi de 72,63%. O consumidor sabe muito bem o que pagou, pois comprometeu de forma crescente a sua renda familiar. Pior: foi ludibriado com o argumento sintônico das empresas de saúde complementar de “aumento de custos”.

Sem um único centavo repassado aos médicos e demais serviços, é de se pressupor que em 10 anos as operadoras/seguradoras multiplicaram seus lucros e, acostumadas a eles, relutam em estreitar a sua ganância. Também fica claro que, no período, os médicos sustentaram suas perdas nos consultórios, ambulatórios e hospitais sem a menor compaixão e reconhecimento das empresas. Apesar do advento da Lei dos Planos de Saúde (9.656/98) e da Agência Nacional de Saúde Suplementar (criada há quatro anos), da instalação de CPI e de tantos fóruns de debates, a verdade é que o setor de assistência supletiva ainda não foi devidamente “passado a limpo”.

Agora, para desespero daqueles que lucram sob a mais rasteira das chantagens, os sinos de boas novas ecoam de todas as frentes na sociedade. O alerta de que cessam os tempos de tolerância à mercantilização e à arrogância vem dos usuários e dos prestadores de serviços, respaldados pelos organismos de defesa do consumidor, pela Justiça e pelas demais instituições públicas reguladoras. Neste momento, nossa recomendação aos usuários dos planos é para que sejam prudentes, observando atentamente os critérios da contratualização com a operadora, em especial no que se referem à disposição dos atos médicos. Se a migração for a opção, deve ser bem avaliada no tange ao equilíbrio de valores e características assistenciais. Conforme orientação da própria Promotoria de Defesa do Consumidor, os casos omissos devem ser levados à sua competência para dirimir dúvidas e solucionar conflitos. O índice de reajuste autorizado pela ANS é de 11,75%. Os patamares fixados por seguradoras como a Sul América (46,14%) e Bradesco (81,6%) tornam-se obscenos diante do frágil e improcedente argumento de aumento de custo.

Para os profissionais médicos, a implantação da Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos é um processo irreversível. Trata-se de um instrumento ético, digno e, acima de tudo, que vem proporcionar um modelo atualíssimo do que a medicina oferece à população. Foram quase três anos de estudos envolvendo todas as especialidades médicas, determinando um rol de cerca de 5,4 mil procedimentos, quase o dobro do relacionado no instrumento anterior, a Lista de Procedimentos Médicos de 1992. E quando se fala em recomposição de valores, não é apenas a sociedade médica que exibe a vultosidade das perdas, mas um órgão reconhecidamente representativo dos parâmetros econômicos do Brasil, que é a Fipe, presente nos estudos da Classificação. No recente encontro dos Conselhos de Medicina do Sul e Sudeste, em Minas Gerais, o presidente da ANS, Fausto Pereira dos Santos, ressaltou que é atribuição das entidades médicas representativas definir, datas e prazos para recomposição das perdas dos últimos 10 anos. Ao mesmo tempo, disse que a Classificação é absolutamente correta em sua interpretação social e que, embora não seja da alçada da ANS, os valores praticados pelas operadoras estão muito aquém daqueles que entende ser éticos.

O Conselho de Medicina e a Associação Médica do Paraná, ao longo desse período de impasse, têm atuado em defesa do médico, da profissão e, sobretudo, da sociedade. A consolidação de nossos interesses na implantação da Classificação passa, obrigatoriamente, pelos princípios de eqüidade, justiça, universalidade e disponibilidade de todos os atos médicos em benefício do nosso paciente. Entendemos que não deve haver discriminação quanto ao tipo de assistência prestada ao paciente.

As negociações visando a celebração de contratos entre médicos e operadoras, em conformidade com a legislação vigente, encontram estágios diferentes nos vários Estados. No Paraná, as decisões adotadas Pela Comissão Estadual de Honorários Médicos, em conjunto com as Sociedades de Especialidades, decretam restrições a algumas modalidades de assistência ou mesmo empresas pelo fato de relutarem em negociar regras contratuais claras, que incluam critérios para atualização de valores dos procedimentos.

Desde 1.o de maio último prevalece a orientação para que os usuários dos seguros-saúde sejam atendidos na modalidade de reembolso, já que as seguradoras parecem “dar de ombros” para seus 200 mil credenciados no Paraná. Pela intransigência nas negociações, há a perspectiva de descredenciamento coletivo das empresas de medicina de grupo, representadas pela Abramge e que atendem cerca de 150 mil usuários. A Assepas/Unidas, sistema de autogestão com cerca de 400 mil consumidores, reconhece a legitimidade da CBHPM mas reluta em adotá-la de forma plena quanto a valores e prazos.

É iminente a notificação à Promotoria de Defesa do Consumidor para que, em 30 dias, os beneficiários de planos de autogestão igualmente sejam atendidos no sistema de reembolso, com cobrança de R$ 50 nas consultas e tabela plena nos procedimentos. Um risco que atinge sobretudo os usuários de planos como da Cassi/Banco do Brasil, Caixa Federal, Correios, Petrobrás, Copel, Sanepar e Susef, dentre outros. Para o sistema cooperativo, que congrega o maior contingente de usuários, uma decisão deve ser fixada até 29 de julho, quando da reunião do Conselho das Unimeds. Há a perspectiva de fixação de cronograma de datas e metas a serem atingidas em negociações que irão envolver o CFM, a AMB e a Unimed Brasil, o que viria não só tranqüilizar usuários, cooperados e prestadores de serviços de modo geral, mas, principalmente, estabelecer um novo momento na assistência supletiva brasileira.

Hélcio Bertolozzi Soares

é presidente da Comissão Estadual de Honorários Médicos, vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná e diretor de convênios da Associação Médica do Paraná

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