A filha da costureira

“Fazer o bem sem olhar a quem…” – ditado popular. Era madrugada, quando a moça acordou com fortes dores abdominais. Não era uma dor comum, não era simples “dor de barriga”. Parecia que mil capetinhas estavam a espetar, com diabólico sadismo, seu lado direito, pouco abaixo da cintura. A vontade era gritar, berrar noite adentro. Levaram-na para o hospital, com a maior urgência. De lá, telefonaram para a casa de dra. Solange e acordaram-na. Em pouco tempo, lá estava a médica atendendo carinhosamente a moça que gemia ainda, se contorcendo de dor. Examinou-a cuidadosamente, tentando decifrar, apalpando com as pontas dos dedos, o enigma invisível, para chegar ao diagnóstico impecável.

Apendicite aguda! Dói muito, mesmo… Era preciso operar, sem demora. Feitos os preparativos no centro cirúrgico, a operação transcorreu sem surpresas. Findos os procedimentos, passado o efeito da anestesia, a doutora sentou-se à beira da cama da paciente e puxou conversa.

– Seu sobrenome italiano me faz lembrar uma família que nos ajudou decisivamente, há muito tempo, quando viemos de Santa Catarina: minha mãe, viúva e sem emprego, puxando pela mão três filhas pequenas que sabe Deus como tinha de sustentar. Você é advogada, não é, Alice? Baglioli é o sobrenome, não é mesmo? Seu pai também é advogado, não?

– Pois eu vou lhe contar uma estória. Uma daquelas três meninas era eu. Não conhecíamos ninguém nesta cidade. Meu pai morrera sem deixar qualquer pensão ou recurso para nos sustentar. O pior de tudo é que tínhamos de alugar uma casa para morar. Mas, quem iria alugar um imóvel para uma desconhecida, sem emprego e sem qualquer renda? Minha mãe sempre foi uma mulher forte e corajosa. Leu um anúncio no jornal e foi tentar alugar aquele apartamento de propriedade do dr. Baglioli. Em seu escritório, ele atendeu pessoalmente minha mãe e ouviu pacientemente sua arenga, desde a fatalidade da morte de meu pai, ocorrida em Brusque, até a vinda para Curitiba, para tentar a sorte. Não, ela não tinha referências nem fiadores. Mas, podia afiançar-lhe que era trabalhadora e que sabia costurar. Sua máquina de costura viera com a minguada mudança. Ali estava toda a esperança de dias melhores. Com seu trabalho, haveria de sustentar e formar as filhas e, naturalmente, pagar o aluguel. Seu pai, que Deus o abençoe! foi nossa salvação. Penalizado com a situação de minha mãe, alugou-lhe o apartamento, tendo como garantia exclusivamente a palavra dela. Passaram-se os anos. Sorte e competência guiaram minha mãe pelos caminhos do sucesso. Tornou-se costureira de madames. Os alugueres iam sendo pagos religiosamente. As três filhas se formaram. Inclusive esta que lhe fala e que acaba de operá-la…

– Dra. Alice, permita que lhe diga que seu pai foi um anjo bom que a Divina Providência pôs em nosso caminho, naquela oportunidade, para nos socorrer. Diga-lhe que lhe somos eternamente gratas e que ele sempre está presente em nossas orações. E que estamos, todas nós, à disposição de sua família, para o que precisarem. Quanto a esta cirurgia, os honorários médicos e hospitalares são por minha conta, como cortesia e sinal de minha gratidão.

Quanto ao dr. Baglioli, quando iria ele pensar que sua boa ação teria uma importância tão decisiva na vida daquelas pessoas! Ele também é, hoje, um homem abençoado, pai de cinco filhos, todos formados e bem sucedidos, avô extremoso de quatro netos. Pois é. Vale a pena, sim, semear boas sementes, boas ações. Não tem erro! O retorno é garantido. A colheita será sempre farta e abençoada, com certeza!

Albino de Brito Freire

– juiz aposentado, é da Academia Paranaense de Letras.

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