A falácia do liberalismo

As denúncias de desvios de recursos públicos envolvendo funcionários da Copel, ex-integrantes do governo passado e um grupo privado paranaense inspira reflexões importantes sobre um tema permanente na agenda política brasileira: a corrupção no Estado. Obviamente, o aspecto mais gritante do episódio foi a brutal depredação do patrimônio público verificada na Copel. Mas esta é apenas uma face do problema.

Tão grave quanto isso é o envolvimento de autoridades e funcionários públicos nas irregularidades, a serviço de interesses privados. Isto é especialmente grave por dois motivos. Primeiro, porque contraria frontalmente a obrigação constitucional e ética das autoridades públicas de gerir o Estado com idoneidade. Segundo, porque é apenas a repetição de uma prática secular no Brasil e no Paraná, que o tempo já deveria ter se encarregado de extirpar.

Numa das obras clássicas mais importantes da Sociologia Brasileira, Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda foi direto ao ponto ao criar um conceito que sintetiza o perfil dos agentes públicos acostumados a este tipo de prática: o “homem cordial”. Grosseiramente, pode-se definir o “homem cordial” como uma categoria de análise que caracteriza o agente público cujo principal propósito, ao ocupar posições importantes no Estado, é se utilizar do cargo para satisfazer interesses pessoais e/ou corporativos. Não necessariamente obter vantagens pecuniárias, mas também pessoais, que se situam em um nível muito mais primário que apenas o de enriquecer à custa do Estado.

Os agentes públicos que agem desta forma fazem-no, porém, de tal forma que levam a sociedade a pensar que estão agindo em defesa dos interesses da maioria. E, escorados em permanentes concessões de favores aos seus apaniguados e em um discurso quase sempre populista e calcado na defesa da economia de mercado, criam uma forte base de apoio que lhes garante a perpetuação no poder. Não é outro o perfil de tradicionais políticos brasileiros como Antonio Carlos Magalhães, Joaquim Roriz, Jader Barbalho e tantos outros.

É importante perceber, porém, que práticas como essas também continuam sendo muito comuns no Paraná, como no caso que ilustra este artigo. O fato de não termos nenhuma liderança política de expressão nacional com o peso de ACM significa apenas que, aqui, ações como essas costumam ser mais veladas ou, na melhor das hipóteses, acontecem em menor escala que em outros Estados, o que, evidentemente, não significa que sejam menos condenáveis ou que resultem em menores prejuízos ao Paraná.

Por esse mesmo motivo, o eleitor paranaense, tanto quanto o baiano ou o paraense, precisa ter mais cuidado na escolha dos seus representantes. O Brasil e o Paraná, definitivamente, não podem ser um instrumento a serviço de interesses privados. A economia de mercado deve existir para todos, não para alguns, o que pressupõe a iniciativa privada totalmente independente do Estado. Do contrário, o liberalismo preconizado por estes agentes públicos terá sido o que sempre foi na história do Brasil: mais uma falácia, como tantas que já estamos cansados de ouvir.

Aurélio Munhoz

(politica@parana-online.com.br) é editor-adjunto de Política em O Estado do Paraná e mestrando em Sociologia Política pela UFPR.

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