A fábula do anão e as fraudes de Bush

Uma fraude sempre é antiética, mas inofensiva ou nociva quanto a seus efeitos. A primeira forma, é um chiste. Como um caso na Universidade Federal da Paraíba, nos anos 70, quando a instituição contratou técnicos em informática de vários estados e do exterior. E comprou um grande computador, verdadeiro armário, orgulho dos professores, dos estudantes e da cidade de Campina Grande. Os estudantes resolveram pregar uma peça e anunciaram que o computador era tão bom que falava. O único do mundo que falava, ali, na Paraíba.

O orgulho paraibano foi às alturas, mas teve quem resolveu conferir. Os estudantes enfiaram um sujeito magro dentro do equipamento, ele respondia as perguntas que sabia e outras emendava com malcriação, que computador paraibano perde a paciência fácil. Foi um sucesso, até se esclarecer que o computador falante era uma brincadeira, uma fraude. E, a partir daí, o episódio virou folclore. Ninguém saiu perdendo, apesar de não ter sido ético.

Há outro caso com um alemão chamado Wolfgang von Kempelen, que assume a dimensão de uma fábula. Ele inventou em 1809 o que seria um computador primitivo, que jogava xadrez. Napoleão II não acreditou, desafiou a engenhoca e perdeu. Quem conta é Isaac Asimov, para quem a fraude foi descoberta por Edgar Alan Poe. Fuçando mais sobre Von Kempelen, descobriu-se que a engenhoca funcionava bem desde que introduzisse um anão dentro dela, assim como na Paraíba. O anão habilmente manipulava os braços da engenhoca. E, para azar de Napoleão II, era bom no xadrez.

Este tipo de fraude, apesar de inofensiva, pode dar cadeia, porque a pessoa ofendida, no caso uma autoridade, pode apelar a algum artigo do universo jurídico. Mas, ainda, assim, é chiste. Como as pegadinhas desagradáveis na televisão. Aquelas situações embaraçosas, armadas por pessoas que dizem gostar de outra e ficam felizes por vê-la num grande embaraço. Depois choram como idiotas. Pode ser inofensivo, mas ninguém gosta. É uma brincadeira de mau gosto.

Agora, vejamos o caso de George W. Bush. O sujeito acredita que os fins justificam a fraude. Isto já é mais sofisticado. Foi assim que ganhou as eleições, com apurações envolvidas em fraude e assim arrumou uma guerra, com argumentos fraudulentos. A guerra contra o Iraque saiu com base em documentos questionáveis, questionados e, depois, desqualificados. Resumindo, falsificados. Assim como se comprovou que as tais armas de destruição em massa encontradas no Iraque, que justificaram a guerra, foram introduzidas pelo exército americano durante a invasão. E, pior: foram usadas. Mas não pelo Iraque.

As armas químicas do Iraque, até agora, nada. Neste caso, a fraude é um crime, um caso de polícia. Se o mundo fosse civilizado, um juiz de Washington simplesmente mandaria abrir um inquérito contra Bush e confirmado o crime mandaria prender o meliante, uma vez que não é primário neste tipo de coisa. Bush não é da categoria dos estudantes da Paraíba, inofensivos, mas um tipo pior que Von Kempelen, que já era um farsante. Para evitar que esse hábito se dissemine e o mundo fique cheio de outros Bushes, seria aconselhável abolir de nosso cotidiano essas pegadas abomináveis. Quem faz uma coisa dessas, pode achar normal. Como Bush acha fraude normal. Mas, nos dois casos, não é.

Edilson Pereira

(edilsonpereira@pron.com.br)é editor em O Estado.

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