A difícil arte de votar

Talvez nunca, como nas próximas eleições, será tão difícil para os brasileiros exercitar a arte do voto. Há democracia, plena, geral, irrestrita e imperfeita, com amplas possibilidades de exercitar o direito (e o dever!) essencial do voto. Voto para todos, menos os impúberes. E em todos, inclusive nos impudicos. A tão aguardada reforma partidária não veio, porque não é do interesse imediato dos políticos e ainda porque não existe nenhuma discussão séria sobre o assunto.

Tivemos remendos, dentre os quais a chamada verticalização que estabeleceu que as coligações de cima devem ser obedecidas e seguidas. Mas quando inexistirem, nos demais níveis o povo pode votar em quem bem entender. Ou melhor, em quem lhe impingirem. Acontece que existem as alianças brancas, uma negra tapeação que resulta em coligações escusas, não declaradas. E coligações verdadeiras no sentido formal, mas que unem desiguais, adversários de ontem e até de hoje, numa febre de perdões e explícitas declarações de amor entre contrários, com o fim único de conquistar votos e, através deles, o poder.

Os partidos políticos dão mais que chuchu na cerca. Tem sigla a dar com o pé, algumas tão inexpressivas e desconhecidas que é muito difícil algum eleitor acertar sequer o seu nome. Quanto mais conhecer seus líderes e candidatos.

Há coligações absolutamente incompatíveis sob os pontos de vista ideológico, programático e histórico, mas neste pleito vale tudo. Tudo para se eleger.

O brasileiro vota em pessoas, dizem. E, neste momento, não há como agir de forma diferente, pois outra opção seria votar em idéias. Mas que idéias? As que os candidatos expressam são praticamente iguais. Iguais entre eles e com o que desejam ouvir seus auditórios. Todos se esforçam por declarar o que as assembléias que reúnem querem ouvir. No Piauí, conversando com um grupo de eleitores em que a maioria tinha mais de 50 anos de idade, o candidato tucano José Serra trocou com ele idéias sobre a criação de um Viagra genérico. Em Fortaleza, Lula declarou que até poderia pedir dinheiro emprestado ao Fundo Monetário Internacional, mas o FMI não iria ditar normas para a política econômico-financeira de um seu possível governo. Isso, enquanto o presidente nacional do PT e o principal assessor econômico de Lula seguiam para Washington, para tentar acalmar investidores e técnicos do FMI, assegurando obediência aos compromissos assumidos pelo atual governo brasileiro.

Os votos dos evangélicos são disputados com reza braba. São de Lula via PL e de Garotinho, via Assembléia de Deus e também via PL, pois no Rio, terra do candidato, um bispo-político da Igreja Universal decidiu que os liberais ficam com o ex-governador, contra a petista Benedita e contra Lula. E isso não é feito por detrás do pano ou com fala macia. O bispo atacou de frente a candidatura do ex-líder sindical e a ala ortodoxa do PT. Nos palanques, os petistas históricos vaiam José Alencar, candidato a vice de Lula, porque é empresário e do PL. E Lula, com sua retórica eloqüente, defende seu vice, dizendo que as vais são fruto do preconceito. Os eleitores estão numa trapalhada porque de fato existem preconceitos e faltam conceitos.

A esperança é que, agora que a campanha começa para valer, venham as propostas de governo. E que possamos escolher candidatos que provem que serão capazes de cumprir as melhores delas e estão habilitados a formar equipes competentes para governar. Nem que tenham de se divorciar, repudiando as absurdas alianças eleitorais.

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