A diarista/faxineira é empregada doméstica ou trabalhadora autônoma?

1. Requisitos para caracterizar o vínculo doméstico

A Consolidação das Leis de Trabalho estabelece devam ser considerados domésticos aqueles que, de um modo geral, prestam serviços de natureza não-econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas (art. 7.º, alínea a).

Já a Lei n.º 5.859/72, de natureza especial, afirma serem domésticos aqueles que prestam serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas (art.1.º).

Em suma: se o trabalho é de natureza contínua; é prestado em atividade sem fins lucrativos e em favor de pessoas físicas; é oneroso; e, ainda, é prestado mediante subordinação (Lei n.º 5.859/72) estão presentes todos os requisitos para o reconhecimento de vínculo empregatício doméstico.

2. Direitos trabalhistas dos domésticos

Não há igualdade jurídica do doméstico com os demais trabalhadores, tanto é assim que a Constituição Federal de 1988 somente ampliou os seus direitos trabalhistas, não estendendo a ele todos os existentes. Permanece, pois, a limitação de que trata o art. 7.º, caput, da CLT (não aplicabilidade dos preceitos da Consolidação), permitida, claramente, nos casos omissos, a aplicação analógica das regras celetistas.

Segue-se, entretanto, embora lentamente, uma tendência cada vez maior para se alcançar a igualdade, como, por exemplo, a possibilidade concreta de o empregado doméstico poder ter depósitos do FGTS (Lei n.º 10.208, de 23 de março de 2001).

3. Diarista ? Empregada ou autônoma? Posições doutrinárias

Admitida a diarista/faxineira para prestar trabalho em determinados dias, sem se cogitar de as tarefas serem executadas sem comando ou direção, e, ainda, não sendo permitida eventual substituição por terceira pessoa, através de ato volitivo próprio, já fica revelada a ingerência na atividade desenvolvida pela trabalhadora, não exsurgindo, de tal proceder, qualquer autonomia.

Saliente-se, ainda, que a circunstância de a diarista prestar serviços em outras residências não obsta o reconhecimento de relação de emprego, pois não descaracteriza a continuidade de que trata a Lei n.º 5.859/72.

Mauricio Godinho Delgado, em seu alentado Curso de Direito do Trabalho, ao tratar do elemento fático-jurídico da não eventualidade, diz que há corrente afirmando a identidade do conceito de não-eventualidade incorporado pela Lei do Trabalho Doméstico (natureza contínua) àquele lançado com clareza pelo art. 3.º da CLT (natureza não eventual), ficando rejeitada a teoria da descontinuidade, definindo-se, assim, como empregada a figura da diarista doméstica, como expõe Octavio Bueno Magano: “a lavadeira que presta serviços uma vez por semana, não sendo trabalhadora eventual, deve ser tida como empregada doméstica” (São Paulo: LTr, 2002. p. 359).

Refere o mesmo autor, contudo, uma segunda corrente no sentido que: a Lei Especial dos Domésticos (5.859/72) fez uma opção clara, ao firmar o conceito de trabalhador eventual doméstico em conformidade com a teoria da descontinuidade, não adotando a expressão celetista consagrada (natureza não eventual). Por esse entendimento, seria trabalhador eventual doméstico, por incidência da teoria da descontinuidade, “a chamada diarista doméstica, que labora em distintas residências, vinculando-se a cada uma delas apenas uma ou duas vezes por semana, quinzena ou mês” (Ob. cit., p. 360).

Nesse sentido posicionam-se Rodolfo Pamplona Filho e Marco Antônio César Villatore, afirmando que a diarista não é empregada doméstica, mas trabalhadora autônoma, assim: “os diaristas não podem ser considerados empregados domésticos, tendo em vista que um dos requisitos indispensáveis para sua caracterização é a presença da continuidade na prestação de trabalho, pelo que somente podem ser considerados trabalhadores autônomos. (…) Se a diarista escolhe, com liberdade, o dia e horário de trabalho, ao negociar com a dona-de-casa a prestação do serviço, cristalina fica a inexistência de subordinação e a presença do elemento volitivo autônomo imprescindível para pactos de natureza civil” (Direito do Trabalho Doméstico. São Paulo: LTr, 1997.p. 44-46).

4. Diarista ? Empregada ou autônoma? Posições jurisprudenciais

No Tribunal Regional do Trabalho da 9.a. Região pelo menos três de suas cinco Turmas Julgadoras, já agasalharam o entendimento de que a continuidade dos serviços prestados no âmbito da residência familiar, ou pessoal, onde não haja atividade lucrativa de que trata o artigo 1.º da Lei n.º 5.859/72, configura-se quando a trabalhadora presta serviços uma ou duas vezes por semana, autorizando, assim, o reconhecimento de vínculo empregatício sob a proteção que o ordenamento lhe oferece. Ver a respeito os seguintes julgados: Ac. 2.a. T. 19.748/99. Rel. Juiz Luiz Eduardo Gunther. DJPR 3.9.99; Ac. 3.a. T. 2.850/91, Rel. Juiz Euclides Alcides Rocha, DJPR 10.5.91; e Ac. 4.a. T. 18.970/01, Rel. Juíza Rosemarie Diedrichs Pimpão, DJPR 13.07.01.

Em sentido contrário temos o acórdão, que é quase sempre citado em obras sobre o tema, cuja síntese é não considerar “doméstica a faxineira de residência que lá comparece em alguns dias da semana, por faltar na relação jurídica o elemento continuidade” (TRT-MG-RO 9.829/91, p. 18.8.92. Rel. Juíza Alice Monteiro de Barros. Rev. LTr 56-11/1.336).

O C. TST, a Corte Máxima em matéria trabalhista, recentemente, corroborou essa posição restritiva, negando a caracterização de diarista como empregada doméstica. Sobre o julgamento do RR 548762/1999, na página de notícias do dia 28 de junho de 2002, no “site” www.tst.gov.br, ficou assentado o seguinte: “A Lei n.º 5.859 exige que o doméstico preste serviços de natureza contínua, no âmbito residencial da família. Serviços de natureza contínua são, em princípio, aqueles que se desenvolvem em todos os dias da semana, com exceção do franqueado ao repouso semanal remunerado, nos termos da Constituição. (…) As atividades desenvolvidas em alguns dias da semana, com relativa liberdade de horário e vinculação a outras residências, havendo a percepção de pagamento, ao final de cada dia, apontam para a definição do trabalhador autônomo, identificado como diarista“.

5. Conclusões

a) Empregado doméstico é o trabalhador que presta serviços de natureza contínua para empregador, pessoa ou família, que não tem finalidade lucrativa, para (e não no) âmbito residencial daquele (art.1.º da Lei n.º 5.859/72);

b)

Não há igualdade de direitos entre a quase generalidades dos empregados e os domésticos, permanecendo a regra insculpida no art. 7.º da CLT, pois a Constituição Federal de 1988 apenas ampliou os direitos dos domésticos sem, no entanto, equipará-los;

c)

Posições doutrinárias e jurisprudenciais são divergentes quanto à questão da diarista/faxineira ser ou não considerada empregada doméstica, residindo a maior polêmica no alcance do termo “continuidade” que consta do art. 1.º da Lei n.º 5859/72;

d)

A Corte Máxima Trabalhista, o C. TST, recentemente, negou essa . possibilidade, firmando posição restritiva de que a diarista não pode ser considerada como empregada doméstica, mas, sim trabalhadora autônoma (RR 548.762/1999).

Luiz Eduardo Gunther

é juiz do TRT da 9.ª Região. Cristina Maria Navarro Zornig é assessora de juiz no TRT da 9.ª Região.

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