A coisa está ruça

Em busca das boas notícias com as quais sonha o presidente Lula e os seus mais chegados auxiliares do Planalto, também o cidadão da planície se bate diariamente. E não acha. Nem na televisão, nem sobre as páginas dos jornais. Nem nas ruas, onde se preocupa com os que batem carteira ou com os sensores eletrônicos. Sem a visão pessimista dos sempre derrotados, não há como transformar o festival diário de agressões, violências, mandos, contramandos e contrariedades nalguma coisa que se aproximasse da tranqüilidade sonhada pela mediana aspiração dos brasileiros. E a esperança já cede lugar ao medo.

Dizem em Brasília que o presidente está estudando um pronunciamento à nação. Talvez para o dia primeiro de maio. Para mostrar que não está atropelado pelos fatos nem paralisado pelo ainda não resolvido Waldogate, anunciaria medidas de estímulo à geração de emprego e distribuição de renda, junto com a notícia do novo salário mínimo, minguado como sempre. Mas Lula fala todos os dias e as coisas ficam sempre como estão. Na mesma terça-feira do anúncio do futuro discurso, ele veio pela enésima vez a público dizer que as coisas devem acontecer dentro da lei. “O País – lembrou o presidente – tem leis e regras que valem para todos.”

Enquanto isso, os sem-terra espalhavam o terror no campo. Faziam, num único dia, outra meia-dúzia de invasões em quatro estados diferentes, não sem realizar outras tantas ameaças impunemente. Nunca a situação do campo no Brasil esteve em tamanha agitação e insegurança. Não bastasse isso, o “abril vermelho” produzia, no mesmo dia, o fato novo do recrudescimento também das invasões urbanas. Cinco num só dia, apenas em São Paulo. Espelhados nos “irmãos” sem-terra, os “sem-teto” recorrem à arruaça urbana para atingir seus objetivos. Militante no posto de comando das invasões, Lizete Gomes dava o resumo da ópera: “Não importa se é prefeitura, estado ou governo federal. Sem pressão a moradia não sai nunca. A gente precisa mostrar onde está a miséria com as ocupações”. Para cumular, agentes do governo davam razão aos índios em defesa de hipotéticas propriedades contra a ação de garimpeiros. Se índios podem, também não podem os contribuintes fazendeiros?

Que temos leis e regras estamos todos sabendo. O que o presidente precisava dizer claramente é quando e de que forma vai exigir o cumprimento delas. Por bem ou por mal. E acabar de vez com essa leniência, essa simpatia e esse – digamo-nos tudo – favorecimento aos fora-da-lei que tem caracterizado seu governo até aqui. O exemplo do Rio de Janeiro não pode ser nacionalizado. Isto é, ninguém imagina ser governado por gangues de traficantes, assaltantes, invasores ou outras formas de comando paralelo, sem lei nem constituição.

Já se afirma aos quatro cantos que o que temos hoje é um clima de desobediência civil. A constatação, que é também de todos quantos acompanham o desenrolar dos fatos, está sendo reduzida a termos pelo sociólogo Sérgio Adorno, da USP. Para ele, quando as pessoas entendem que as leis não estão sendo respeitadas e que as autoridades não estão conseguindo que as regras prevaleçam, há uma percepção de ausência de autoridade legítima, que gera uma sensação de insegurança em que cada grupo da sociedade trata de se defender por si mesmo. No Rio Grande do Sul, por exemplo, fazendeiros gaúchos reativam o “invasão zero”. Por enquanto, vigilância apenas. Amanhã, não se sabe.

O nome da crise, segundo já querem alguns, como o presidente nacional do PFL, Jorge Bornhausen, chama-se Lula. Inconformado com a invasão das fazendas da Klabin, em seu estado, Bornhausen observa que o MST continua agindo no grito e o governo nada faz. Por isso, “eu responsabilizo o presidente da República”, sentenciou sem meios-termos, enquanto o próprio PT reconhecia erro na estratégia de ocupação de terras produtivas. Como se vê, a coisa está ficando ruça também para o lado do presidente Lula, que até aqui assistiu ruir a credibilidade de seu principal colaborador e capitão do time José Dirceu, em franca desgraça. Em nome da democracia, ele aconselha, pede, afaga e sugere. Confunde radicalismo com autoridade. Mas até quando?

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