A bota de Graziano

Incompetente e fracassado até aqui exatamente na área das maiores promessas realizadas – a da assistência social -, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva está criando outro pólo de expectativas. Numa bem estudada campanha de marketing, pretende dar a volta por cima com a ordem de unificação de todas as ações sociais sob um único guarda-chuva, cuja abertura em meio à borrasca do insucesso já estava marcada, mas foi adiada para cobrir, se assim quiserem todos, um arco bem maior de alianças – os 27 governadores e 5.561 prefeitos. Tudo mudado e renovado, vem aí o “Fome Zero II”. Com outro nome, é claro, para que não se pense em fracasso ou coisas do gênero…

No dizer do titular do esvaziado Ministério da Segurança Alimentar e Combate à Fome – Mesa, José Graziano, será um passo com bota de sete léguas rumo à “reconstrução do Estado e da cidadania neste País”. O novo guarda-chuva, que despreza também a estrutura do Ministério da Assistência e Promoção Social da viajante e religiosa Benedita da Silva, será uma secretaria executiva subordinada diretamente à Presidência da República. Partindo de um centralismo extremado, Lula atira assim iscas ao mais distante dos alcaides, simulando a descentralização mais ousada de todos os tempos.

Todos os programas serão unificados, como já tivemos oportunidade de aqui dizer. Desaparecem o Bolsa-Escola para tristeza do ministro Cristovam Buarque, da Educação; o Bolsa-Alimentação do governo anterior; o Cartão-Alimentação, criado para o Fome Zero, e o Auxílio-Gás, de recente usança, entre outros programas menores, para dar lugar ao Bolsa-Família. Assim, em vez de migalhas aqui e acolá, tudo junto deverá render ajuda mensal em dinheiro que vai de R$ 50 a R$ 95, sem a exigência da compra de alimentos. A unificação imaginada pressupõe também o uso de cadastro único, com a “depuração” (o termo é outra vez de Graziano) de “listagens inconsistentes e incompletas”.

Do Fome Zero sobrará apenas a marca, já que pegou embora o programa não tenha deslanchado. Ademais, é preciso manter motivação ao conteúdo dos discursos internacionais de Lula, que quer decreto que fulmine a fome também no resto do mundo…

A grande novidade do governo Lula, segundo se afirma em Brasília, haverá de colocar fim a uma disputa até aqui sempre perniciosa, causada pela “concorrência entre os programas sociais” de diversas áreas, naipes e sobrenomes. “É preciso acabar – decreta a socióloga Ana Fonseca, já anunciada a comandante-mor do novo processo – com essa história de disputar o pobre da assistência social, o pobre da saúde, o pobre da educação.” Agora a ordem é disputar o pobre do município, o pobre do Estado e o pobre da União…

Os governadores reunidos com Lula, na terça-feira, torceram o nariz, já torto com as coisas da reforma tributária. Apenas 12 dos 27 governos estaduais têm programas ou projetos nessa área de transferência de renda. Além da falta de dinheiro, que atinge também a maioria dos municípios brasileiros de chapéu na mão, os governadores reclamam da falta de informações sobre o cadastro das famílias carentes, atualmente trancado a sete chaves em Brasília. Entregar as informações estaduais à União é abrir mão de segredos eleitorais e, a menos que o governo federal “democratize” o acesso a seu megacadastro, a colaboração teria o sabor de via única. Lá nas bases municipais não se pensa muito diferente disso. Como se vê, além da construção da cidadania referida por Graziano, o passo de sete léguas é visto também como um bom atalho para as eleições municipais do ano que vem – termômetro avançado daquelas previstas para 2006.

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