A agravante genérica

No tema agravante genérica segundo proposto por Jorge Vicente Silva, em “Manual da Sentença Penal Condenatória – Requisitos e Nulidades”, 1.ª Edição, págs. 339/340, da Editora Juruá, cumpre distinguir dois posicionamentos.

Há aqueles que analisando o artigo 61 com uma perspectiva em abstrato, entendem que o dispositivo legal veda o reconhecimento de circunstância agravante quando coincidente com qualificadoras. Um exemplo seria o do homicídio de tal forma configurado que a conduta poderia se enquadrar em duas hipóteses distintas de qualificação. Nesse caso, o aumento de pena em razão da qualificação do homicídio levaria em conta apenas uma das qualificadoras. A outra não poderia ser utilizada como circunstância agravante, porquanto incluída como qualificadora do delito. Restaria ao juiz a possibilidade de empregar as circunstâncias judiciais para considerar a situação concreta e agravar a pena-base. Nesse sentido, decisão do Superior Tribunal de Justiça no HC 13.708, DJU de 11.06.2001.

O outro entendimento, fundamentado em uma visão concreta da aplicação do dispositivo legal em comento, é verificado pelo reconhecimento da possibilidade de aplicação de circunstância agravante quando, mesmo se prevista no tipo penal incriminador como circunstância que qualifica o crime, assim não tenha sido utilizada, como por exemplo, no homicídio qualificado. Se a situação concreta prevista como qualificadora não foi assim reconhecida pelo juiz porque outra situação qualificou o crime, então tal situação concreta poderia ser utilizada para reconhecer a incidência de circunstância agravante. Nesse sentido, decisão do Superior Tribunal de Justiça no Resp 151.963, DJU de 03.08.1998.

A despeito da divergência acima indicada, é certo que não se está a tratar de agravante genérica, em sentido não específico ou não definido em lei. Existe nos artigos 62 e 63 do Código Penal um rol de tais circunstâncias e, somando-se às previstas em lei especial, são as que poderão ser consideradas como agravantes na aplicação da pena. A divergência abrange somente a possibilidade de aplicação no caso de determinadas situações concretas que poderiam amoldar-se como qualificadoras ou como agravantes, conforme acima mencionado.

Entretanto, tal aplicação, desde que aceita a perspectiva em concreto anteriormente exposta, limita-se aos casos em que são coincidentes as hipóteses de circunstância agravante prevista em lei e circunstância que qualifica o crime.

Assim, é inviável o reconhecimento de circunstância agravante no caso de furto qualificado, por exemplo, com emprego de chave falsa e o concurso de pessoas sem a ocorrência de determinadas peculiaridades. O emprego de chave falsa nunca poderia ensejar a aplicação de uma agravante “genérica” em virtude de ausência de previsão nos artigos 61 e 62 do Código Penal. Quanto ao concurso de pessoas, somente nas hipóteses previstas no artigo 62 do mesmo Código. A mesma situação ocorre no concurso entre qualificadoras dos incisos I (com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa) e III (com emprego de chave falsa), §4.º, artigo 155 do Código Penal.

Nada impede que o juiz considere como circunstância judicial a situação concreta que se amoldaria em uma qualificadora que não foi assim aplicada na sentença, desde que seja possível amoldá-la nas hipóteses previstas no artigo 59 do Código Penal.

Entender o contrário seria reconhecer a possibilidade de aplicação de circunstância agravante não prevista expressamente na lei, o que não guarda compatibilidade com o artigo 5.º, inciso XXXIX, da Constituição da República que dispõe não haver “(…) crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;”.

A interpretação do dispositivo constitucional abrange a pena “in concreto” aplicada pelo juiz. Assim, o reconhecimento de uma agravante “genérica” (não específica ou não definida em lei como tal) para recrudescer a pena é incompatível com o citado dispositivo constitucional.

O juiz, ao reconhecer uma agravante “genérica” não expressamente prevista, aumentando o “quantum”, aplicaria pena sem existência de cominação e sujeitaria o réu a constrangimento ilegal, passível de correção por meios de impugnação, inclusive o “Habeas Corpus”, tudo de forma a preservar o princípio da estrita legalidade que rege o direito penal.

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “Reconhecidas duas qualificadoras, não há ilegalidade na consideração de uma para qualificar o tipo e, de outra, como circunstância negativa – como agravante, quando prevista, ou como circunstância judicial, residualmente” (HC 13.708, DJU de 11.06.2001, Min. Gilson Dipp).

A decisão é esclarecedora, pois exige previsão legal para incidir como agravante uma situação concreta que poderia qualificar o crime. Trata-se de reconhecer que a pena aplicada é limitada pelos parâmetros estabelecidos em lei, vedado qualquer acréscimo não previsto.

Se determinada circunstância não encontra abrigo entre as judiciais do artigo 59, já de grande generalidade, nem entre as agravantes legalmente previstas, ou entre as causas de aumento de pena, então, mesmo que qualifique o crime, tal circunstância não poderá influir para aumentar a carga punitiva em resposta a um ilícito penal.

A previsão legal de atenuante “genérica”, não prevista em lei (Código Penal, artigo 66), nada influi no posicionamento acima adotado, porquanto somente pode favorecer o réu e possibilitar ao juiz, com critério de justiça, ter em consideração circunstância relevante no caso concreto que poderá influir na dosimetria da pena, de forma a dar cumprimento ao artigo 5.º, inciso XLVI da Constituição.

Geraldo Dutra de Andrade Neto

é juiz de Direito Substituto do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

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