A agonia dos municípios

Há, na atualidade, nítida consciência de que as estruturas organizacionais somente poderão alcançar ponto ideal de rendimento e eficiência se estiverem suportadas por regras objetivas de funcionamento, resultados concretos e ações decisórias consistentes.

No caso específico do Estado, o complexo das regras disciplinadoras de sua atuação sinalizam para uma direção em que se localizam a responsabilidade fiscal, os interesses da sociedade e a efetividade dos serviços públicos, com suporte numa lógica de razoabilidade e de execução de projetos de desenvolvimento.

Nesse sentido, sob o patrocínio de políticas administrativas vinculadas a uma nova visão cultural das funções do Estado, o setor público passa por inegável impulso de transformação e modernização, pressionado por valores democráticos fundamentais e de justiça social, originários dos reclamos populares.

No âmbito municipal, contudo, o sentimento de mudança, dentro de uma agenda social, política e ética, vem experimentando dificuldades generalizadas, manifestadas por crise financeira, crescimento substancial dos encargos administrativos, descumprimento de repasses de convênios, por parte da União e do Estado, e queda vertiginosa no âmbito das transferências do Fundo de Participação dos Municípios.

O modelo municipalista brasileiro é frágil na geração da receita própria e, por isso mesmo, depende substancialmente de transferências de outros níveis de governo.

Na atualidade, 75% do total dos municípios têm, no Fundo de Participação, a sua principal fonte de receita. A base formadora do FPM é percentual do montante da receita líquida arrecadada pelo governo federal com os impostos sobre a renda e sobre produtos industrializados. Acontece, porém, que fatores ligados à movimentação da atividade econômica, bem como compromissos da União com a restituição de impostos, acabam por influir na composição total do fundo, com a ocorrência de conseqüências funestas na formação da receita municipal.

Na verdade, o atendimento de compromissos básicos de despesas, especialmente no campo de serviços essenciais, está umbilicalmente ligado àquele fundo. Por conseguinte, se as transferências financeiras caem – este ano a queda já ultrapassou 40% – o caos está semeado. E não se acuse os prefeitos de irresponsabilidade, gastança desenfreada ou incapacidade gerencial. Esses gestores enfrentam grave desafio: infinitas despesas, recursos escassos e os limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. São pessoas comprometidas com a verdade das contas públicas e com os interesses comunitários.

Nos últimos anos, especialmente após o advento da Constituição de 1988, os municípios foram sobrecarregados de encargos, à luz do deletério discurso da municipalização. Aumentaram as responsabilidades, como se os espaços municipais representassem a fonte inesgotável de solução de problemas, mas não viabilizaram a fonte de recursos necessários. Os resultados são históricos e sociológicos: o predomínio da vassalagem política e o desequilíbrio das finanças municipais. O primeiro, reflete situação em que prefeitos, de chapéu na mão, têm que defender transferências de recursos, na estrutura burocrática de poder, em Brasília e no Governo do Estado, numa lamentável e humilhante via sacra de garimpagem orçamentária. O segundo, é o grande desafio dos gestores públicos, já que a procura por serviços governamentais é revestida de flagrante elasticidade.

Portanto, as reclamações dos prefeitos, em grande parte, são justas, pertinentes e estão bem consentâneas com as dificuldades enfrentadas no âmbito de suas cidades. Por isso, é preciso definir sistema de compensação que evite quedas significativas nos repasses do FPM. É matéria para ser incluída na Reforma Tributária, em que se pretende parte da arrecadação das contribuições da CPMF (Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira) e da Cide (Contribuição Sobre Intervenção no Domínio Econômico), que incide sobre combustíveis, o que reforçaria o caixa dos entes municipais.

De outro lado, a decretação de moratória não constitui caminho adequado para o encaminhamento dos problemas. Inclusive, não faz parte da tradição municipalista do Paraná e do conjunto de decisões dos prefeitos municipais. A moratória é medida discricionária, prejudicial à imagem do Poder Público, constrangedora para os fornecedores e, na sua extensão, reveladora de calote financeiro. Além disso, os prejudicados em seus contratos geralmente buscam seus direitos junto ao Poder Judiciário, o que acaba representando novas despesas com juros, atualização de valores monetários e mais agravamento da situação financeira.

Essa dura realidade revela que os municípios necessitam – com urgência – de projeto de reforma que, liberto de utopias e devaneios oportunistas, permita o desenvolvimento de um trabalho alicerçado em políticas públicas assentadas no planejamento, na disciplina fiscal e melhor redistribuição de tributos. A propósito, Max Weber, em seu substancioso trabalho A Política Como Vocação, indica as qualidades fundamentais para o político: paixão, sentido de responsabilidade e senso de proporções. Tal trilogia, suportada por princípios éticos, de austeridade e equilíbrio, permite séria e profunda reflexão sobre as exigências de novos encaminhamentos para a administração pública, que deverá atuar à luz de bases sustentadas em ampla programação financeira, respeito absoluto aos contratos e subordinada a um código de conduta que tenha por escopo a clareza, moralidade e a preservação do bem-estar. Ausente desse caminho, não se chegará a lugar algum.

Rafael Iatauro é conselheiro do Tribunal de Contas do Paraná.

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