50 anos sem Getúlio Vargas

Meio século depois de seu último gesto político o tiro no coração que fulminou os inimigos já festejando no apartamento do Vice Café Filho seu afastamento Getúlio Vargas continua vivo na memória dos brasileiros. O estadista não morre, porque é impossível destruir suas realizações e sepultar suas idéias, mormente quando deixa a mensagem-força de uma Carta Testamento.

A Revolução de 30 por ele chefiada é um divisor na história brasileira. O país agrícola dominado pelas oligarquias e fragilizado pela opressão social, transformou-se em nação industrial, que registrou entre os anos de 1930 a 1980 o maior crescimento econômico do mundo, com aumento médio de 7% do Produto Interno Bruto (PIB).

Getúlio encontrou a economia em caos total, contaminada pela crise de 1929 nos EUA. O café, nosso principal produto, não tinha mercado e os estoques se acumulavam. A dívida externa nos asfixiava. Vargas agiu rápido, comprando excedentes de café, decretando a moratória da dívida externa, equilibrando as finanças e garantindo a ordem e a segurança interna.

Havia risco de separatismo territorial, pois os principais Estados (SP, RS, MG) contratavam diretamente empréstimos externos e importavam armas e equipamentos para suas polícias militares, concentrando poder de fogo capaz de enfrentar o Exército. As bandeiras dos Estados eram cultuadas tanto ou mais que o pavilhão nacional.

Vargas cimentou a unidade nacional, como Caxias fizera com sua espada na Monarquia. Ele encampou a dívida dos Estados, o Imposto de Exportação veio a ser cobrado pela União, subordinou as polícias estaduais ao Exército e proibiu as bandeiras estaduais, queimadas em ação simbólica no Panteão da Pátria, no Rio de Janeiro.

Atitude de suprema afirmação de soberania foi o decreto de 10 de julho de 1934, que criou o Código de Minas, pelo qual as riquezas minerais do subsolo passaram ao domínio da União, e só poderão ser exploradas mediante concessão. Até então, essa faculdade competia aos governos estaduais, e a Shell e a Standard Oil (Exxon) eram concessionárias de boa parte do subsolo da Amazônia e de outras unidades da Federação.

Em 11 de abril de 1938, Vargas nacionalizou as possíveis reservas de petróleo do subsolo, sem indenização, porquanto as multinacionais não haviam perfurado um poço sequer. Em 29 de abril de 1938, nacionalizou a indústria de refinarias, deixando com as firmas particulares a distribuição de derivados e o varejo das bombas de gasolina. Por este mesmo decreto, criou o Conselho Nacional do Petróleo (CNP), precursor da Petrobras.

Em atos de profunda significação econômica, Vargas fundou a Cia. Vale do Rio Doce em 1º de junho de 1942 e a Cia. Siderúrgica Nacional em 09 de abril de 1941, que ergueu a nossa primeira indústria de aço em Volta Redonda, com financiamento e equipamentos norte-americanos, negociados habilmente com o presidente Franklin Delano Roosevelt (visitou o Brasil duas vezes) no contexto da cessão de bases aos EUA no Nordeste e à entrada do Brasil na 2ª Guerra Mundial.

Vargas fundou a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil (CREAI), em 1937, que exerceu papel relevante no incentivo à agricultura, à pecuária e ao fomento industrial pela iniciativa privada.

As promessas democráticas do ideário da Revolução de 30 foram totalmente cumpridas, com o advento da Justiça Eleitoral, o direito da mulher votar e a introdução do voto secreto e universal.

Antes de 30, o trabalhador não gozava de direito algum, e seus pleitos eram tratados como casos de polícia. O Brasil é único exemplo em que o gozo de férias, jornada diária de 8 horas, salário mínimo, registro em Carteira do Trabalho e outras conquistas trabalhistas não resultaram de greves, passeatas e pressões de Sindicatos e, sim, vieram sendo gradativamente outorgadas pela vontade do Chefe da Nação, culminando com a decretação em 1º de maio de 1943 da Consolidação das Leis do Trabalho, com mais de 900 artigos, que permanece em vigor até hoje.

Getúlio eliminou as práticas de corrupção da República Velha, e iniciou o processo de racionalização do serviço público com a criação do DASP, que normatizou os concursos públicos para admissão de pessoal, o treinamento de servidores e a modernização da máquina administrativa.

Vargas tornou-se ditador em 10 de novembro de 1937 com o Estado Novo, nos pródromos da 2ª Guerra Mundial, quando conflitos de fora eclodiam em nosso território, com comunistas e integralistas se digladiando nas ruas. Ou Ele assumia sua responsabilidade histórica ou as Forças Armadas tomariam o poder.

Com interferência direta do Embaixador norte-americano Adolf Berle Junior, autor de discurso-bomba na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Getúlio foi deposto pelos militares em 29 de outubro de 1945.

Entrou para história

Consagradora votação elegeu Getúlio Vargas Presidente da República, em 03 de outubro de 1950, pelo Partido Trabalhista Brasileiro. Em entrevista à imprensa antes de sua posse, ele profetizou que provavelmente não terminaria seu mandato, porque iria adotar medidas de impacto que iriam contrariar poderosos interesses nacionais e internacionais.

Ele criou, em 1952, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e o Banco do Nordeste, em 1953 criou a Petrobras e enviou ao Congresso Nacional a mensagem da Eletrobras (concretizada no governo João Goulart). Neste mesmo ano, taxou os lucros extraordinários do capital estrangeiro e implementou o câmbio múltiplo pela Instrução 70 da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), vinculada ao Banco do Brasil, que estabeleceu cinco categorias de cotação da moeda através de leilões das divisas disponíveis, encarecendo a importação de artigos supérfluos e de luxo, ao mesmo tempo que fixava câmbio especial para produtos essenciais.

Baseado em documentos oficiais liberados nos EUA, decorridos 50 anos, o livro “SEJA FEITA A VOSSA VONTADE, A Conquista da Amazônia: Nelson Rockefeller e o Evangelismo na Idade do Petróleo” escrito pelos jornalistas norte-americanos Gerard Colby e Charlotte Dennett, Editora Record, 1998, tradução de Jamari França, atribuiu a “deposição de Vargas em 1945 e a crise política de agosto de 1954 à política nacionalista do petróleo e à defesa da Amazônia”.

O deplorável episódio do assassinato do Major Vaz (5 de agosto de 1954), que acompanhava o jornalista Carlos Lacerda, inimigo feroz de Getúlio, deveu-se à exacerbação de ânimos alimentada pela oposição sistemática da UDN e de todos os jornais, rádios e a nascente televisão. Apenas o jornal Última Hora, de Samuel Wainer, defendia o governo.

Getúlio era desprovido de ambições por bens materiais. A revista O Cruzeiro, dos Diários Associados, crítica ferrenha de Vargas, vasculhou seu inventário na Comarca de São Borja, RS, e o publicou em reportagem de 5 páginas, edição de 19 de abril de 1958. Lá estavam as fazendas que ele possuía em 1930, havidas por herança de seus pais, acrescidas de um apartamento no Rio de Janeiro, adquirido com financiamento da Caixa Econômica Federal. Isso depois de 45 anos de vida pública (deputado estadual e federal, Ministro da Fazenda, governador do Rio Grande do Sul, senador e quase 19 anos de Presidente da República).

Nenhum de seus filhos Lutero, Manoel, Alzira, Jandira e netos enriqueceram. Seus irmãos Viriato, Protásio, Espártaco, Benjamim e filhos não acumularam fortuna. Na longa trajetória de Getúlio Vargas, nunca se falou de sobras de dinheiro de campanhas eleitorais e tampouco de remessas financeiras para paraísos fiscais. São admiráveis exemplos de probidade e consagração à vida pública para serem seguidos pelos políticos da atual e das futuras gerações.

Personalidade carismática, sorriso franco e espontâneo, conciliador pronto a reconciliar-se com seus piores adversários, ouvindo mais seus interlocutores do que falando, estrategista político inigualável, coragem pessoal e cívica, serenidade nos momentos de perigo, sólida formação cultural, patriota extremado, sincera devoção às causas dos trabalhadores e dos mais humildes, constituem elenco de qualidades que fazem de Getúlio Vargas o maior líder popular do Brasil e o maior estadista das Américas, juntamente com o presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, que tirou dos escombros a economia norte-americana e comandou a vitória dos aliados na 2ª Guerra Mundial.

O estadista e herói nacional, Getúlio Dornelles Vargas, viverá para sempre, porque sobre os alicerces de sua obra o Brasil construirá seu destino de potência mundial. Termino com trecho de sua Carta-Testamento, o documento mais dramático da nossa história.

“Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio, respondo com o meu perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna, mas esse povo de quem fui escravo jamais será escravo de ninguém.

Palácio do Catete, 24 de agosto de 1954.”

Léo de Almeida Neves,

ex-deputado federal, ex-diretor da CREAI, ex-Vice Presidente (eram 4) da Comissão Executiva Nacional do antigo PTB.

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