Vozes e silêncios da democracia

Em entrevista à Folha de S. Paulo (3/8/2000), o sociólogo Anthony Giddens aponta a Terceira via como meio de renovação da velha social-democracia européia e enfatiza que é preciso ter três instituições numa sociedade decente: “o governo, com liderança ativa, os mercados, como efetividade do ponto de vista econômico, e a sociedade civil organizada. Nenhum dos três deve dominar os outros”.

Enquanto Giddens se preocupa com a renovação da democracia na Europa, no Brasil vêm se realizando diversas iniciativas da prática democrática. No Paraná, um simpósio realizado pelo núcleo de pesquisas Democracia e participação política, da UFPR, em 2002, dinamizou o relato de experiências organizadas com muita propriedade por Renato Monseff Perissinotto e Mario Fuks no livro Democracia teoria e prática (2002) cujos fragmentos são lembrados na continuação.

Diante da inviabilidade da social-democracia internacional, Fábio Wanderley Reis, após citar Przeworski, Habermas, Rousseau, Geertz e Weber, afirma que o fortalecimento da igualdade precisa da ação social do Estado orientada para a solidariedade nacional. Marta Arretche, que analisou a iniciativa de reformas sociais do governo, no Brasil, considerou que estados e municípios não foram capazes de vetar iniciativas de reforma que afetavam diretamente seus interesses. Renato Lessa, que realizou balanços e perspectivas da teoria da democracia, diz não acreditar que há uma teoria democrática, talvez expectativas. Fernando Limongi, que estudou o problema do sistema partidário no contexto do debate institucional e da democracia no Brasil, apela para que se abandone a noção preconceituosa de que as massas ameaçam a ordem democrática.

Renato Monseff Perissinotto, após estudar a qualidade da participação e a democracia no Conselho de Assistência Social de Curitiba, considera que ele frustra a intenção participacionista presente na legislação por três razões: a sub-representação dos trabalhadores, o caráter “harmonioso” entre o governo e o conselho, e a exaltação da caridade em detrimento da política. Mario Fuks, que analisou se existe igualdade entre os participantes dos conselhos gestores de políticas sociais no Paraná, observou que os tipos de recursos individual e coletivo são importantes no que se refere à participação e à influência política nos conselhos.

Ao analisar o comportamento político na situação brasileira, Marcello Baquero examina a cultura política e sua aplicabilidade, o declínio e a desconfiança dos cidadãos. Com base em estudos de Mill, Locke e Tocqueville, afirma que o resgate da confiança se dá por meio de mecanismos que lhes garanta o acesso aos meios materiais e recursos simbólicos, participativos e informativos, e que os cidadãos precisam ter condições objetivas para decodificar o processo político. A falta dessas condições distorce o processo democrático e facilita a manipulação.

Aliás, foi desse recurso “cultural” que se valeu a classe dominante no Paraná, conforme lembra a obra O silêncio dos vencedores (2001), de Ricardo Costa de Oliveira, para construir sua hegemonia. Ao analisar genealogia, classe dominante e Estado no Paraná, afirma: “Podemos mapear o cenário cultural com o surgimento de textos e discursos que procuram escrever a memória das classes dominantes. (…) São as bases de um movimento de idéias denominado de `paranismo'(…), um fazer-se como classe”, que efervesceu com Ermelino Agostinho de Leão (1874-1932), Francisco Negrão (1871-1937) e Romário Martins (1874-1948). Mas a democracia tem entre seus procedimentos a possibilidade de decodificação política dos cidadãos, como disse Baquero, e a qualidade da participação, como afirmou Perissinotto.

Se Giddens aponta como um dos elementos da Terceira via a participação da sociedade civil, Evelina Dagnino (2002) considera que os espaços públicos com a participação da sociedade civil servem como canais de expressão dos excluídos da cidadania no Brasil. Considerando que a democracia é definida por Bobbio (2000) como “forma de governo na qual o poder político é exercido pelo povo”, confirma-se com Luis César de Queiroz Ribeiro e Orlando Alves dos Santos Júnior (2002), em seu estudo sobre a cidade, que há necessidade de desenvolver uma política de segurança fundada em valores de solidariedade, eqüidade e liberdade.

Jorge Antonio de Queiroz e Silva

é historiador e professor, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.E-mail:
queirozhistoria@terra.com.br

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