José Cândido da Silva Murici nasceu em 31 de dezembro de 1827, na cidade de Salvador, capital da Província da Bahia. Era filho de Joaquim Inácio da Silva Pereira e de Joana Francisca Pereira. Seu progenitor, patriota exacerbado, tendo tomado parte na luta pela Independência, fez parte do grupo de jacobinos que trocaram o nome por outros, ligados à terra. Daí esse ilustre sobrenome Murici, que figura com muito destaque na história do Paraná.

Dr. Murici, o grande médico, a quem Curitiba e todo o Paraná tanto devem, além de médico, oficial do Exército, vacinador provincial e deputado provincial por três mandatos, foi provedor da Santa Casa de Curitiba, de 1866 até sua morte, em 1879. Junto com o desembargador Agostinho Ermelino Leão, em 1876 fundou o Museu Paranaense. Foi o incansável artífice da construção do Hospital de Caridade da Irmandade de Misericórdia da Santa Casa de Curitiba.

A colocação da pedra fundamental do novo Hospital de Caridade de Curitiba aconteceu em 8 de março de 1868, e sua conclusão aconteceu doze anos após, graças à presença infatigável do dr. Murici que, infelizmente, não viu a inauguração da sua obra.

No livro Relatos de um Pioneiro da Imigração Alemã, seu autor, Gustav Hermann Strobel, conta: Na construção do Hospital de Caridade, as plantas, como também a supervisão, estavam a cargo do engenheiro Wieland, os trabalhos de alvenaria eram de Frederico Warnecke e os trabalhos de madeira foram executados por seu pai (Christian Strobel), inclusive portas e janelas. Apenas os trabalhos da capela foram realizados pelo marceneiro Robert (Robert Shiebler, marceneiro afamado, que trabalhou na construção da catedral). Todos os operários eram alemães, com exceção de alguns pedreiros e ajudantes. Uma construção como esta era inédita em todo o Paraná, e seu pai ficou feliz por poder mostrar toda a sua habilidade e conhecimento nesta obra. No livro, Strobel relata sobre o dr. Murici:

“… Quando um não-católico procurava tratamento era aceito de má vontade e sujeito a discriminações e restrições diversas, forçando-o a sair do hospital o mais breve possível. Naturalmente, este procedimento provocou certa revolta e manifestações de desagrado por parte dos imigrantes. Esta situação só mudou quando o doutor Murici assumiu a direção deste estabelecimento.

O doutor Murici era natural do norte do Brasil e veio a Curitiba, jovem e recém-formado em medicina. Aqui se casou com a irmã de João e Juca Luz. Ela era uma senhora educada e de boa formação. Não era orgulhosa nem xenófoba ou hostil aos estrangeiros, como também justa com seus subordinados. Assim também agiam seus irmãos, e com isto a família toda era benquista e respeitada. O doutor Murici era uma pessoa corretíssima e honesta como poucas que conheci. Em Curitiba, poderia mencionar mais dois nomes de igual valor: o doutor Pedrosa e o barão do Cerro Azul. Infelizmente, os três morreram ainda muito cedo, sem que pudessem alcançar seus objetivos para o bem de todos…

… Por motivo desta atitude e pronunciamento, por iniciativa do farmacêutico Stellfeld, o kaiser Guilherme agraciou o doutor Murici com a Ordem Vermelha da Águia…”

A inauguração do Hospital de Caridade de Curitiba aconteceu em 22 de maio de 1880, com as augustas presenças do imperador dom Pedro II e da imperatriz Tereza Cristina Maria, além de outras autoridades da corte e da Província do Paraná, e o povo.

Após a morte do dr. Murici, foi eleito, para provedor, o seu genro, o também baiano, militar e médico, dr. Antônio Carlos Pires de Carvalho e Albuquerque, que concluiu as obras do Hospital de Caridade. No diário de d. Pedro II, no dia da inauguração do hospital, ele anotou:

“… O dr. Murici foi quem mais concorreu para a construção do hospital. O provedor, Dr. Pires de Albuquerque, seu genro, leu um discurso bem feito em que recordou comovido os serviços de Murici…”

No jornal O Dezenove de Dezembro, de 10 de junho de 1880, está transcrito, na íntegra, o discurso do dr. Antônio Carlos:

“… Mas, senhor, e senhor, por que esta comoção que divisa em todos os semblantes?! Por que todos têm lágrimas nos olhos em tão solene momento?! Eles têm razão! e com eles pranteio a falta do venerando irmão e provedor Dr. José Cândido da Silva Murici, dr. Murici! Este nome, senhor, traduz uma vida inteira de abnegação, de esforços, de nobres cometimentos, de sacrifícios, de dedicação à causa da humanidade!

A população inteira desta capital sabe que a este distinto cidadão deve a província o hospital que hoje se inaugura: todos sabem as dificuldades que ele teve que vencer, assim como reconhecem que ele jamais esmorecera aos obstáculos que se lhe antolharam, e que prostrado no leito dos sofrimentos, e já a apagar-se-lhe a luz da vida, ainda o seu pensamento estava preso à esta grandiosa obra, para cuja realização pusera em contribuição todas as suas forças, a saúde, a sua vida, enfim. Quem de todos os presentes não têm a palavra – Murici – gravada no íntimo do coração?

Qual a família a cujas alegrias e sofrimentos não esteja esse nome intimamente ligado? Qual a morada luxuosa ao miserável mansarda, sobre a qual não tivesse adejado esse anjo de esperança e caridade, restituindo a vida, ora o filho querido, ora o idolatrado esposo, ora o terno e estremecido irmão?

Mas não perturbemos a paz, que na mansão dos justos, entre os eleitos de Deus, deve gozar aquele que por suas virtudes, rara abnegação e dedicação à humanidade, tão querido e venerado foi na terra, onde tantos benefícios espalhara; daquele que, nesta hora solene, de lá nos dirige uma palavra de animação e coragem, e sorri-nos, contemplando a realização de sua obra…”.

O presidente da Província do Paraná, dr. Manuel Pinto de Souza Dantas Filho, em seu relatório à Assembléia Legislativa, no dia 16 de fevereiro de 1880, destaca:

“… Ao inaugurar, porém, esse notável monumento, o primeiro da capital, manda a justiça que mais uma vez se renda a homenagem à memória do espírito generoso, que entre nós se chamava o dr. José Cândido da Silva Murici. Dedicado, incansavelmente, a tão elevado pensamento, que foi sua preocupação de muitos anos, parece que ainda o estímulo de seu exemplo paira sobre nós, e que a humanidade aflita a depara aí com o alívio a seus padecimentos, repetirá entre suas orações e as suas lágrimas, o nome benemérito do dr. Murici…”.

Carlos Ravazzani e Iseu Affonso da Costa são médicos da Aliança Saúde Pontifícia Universidade Católica do Paraná Santa Casa de Misericórdia de Curitiba.

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