Vida de guri chega à telinha

Em meados de 1980, o cartunista Ziraldo não se conteve e soltou um sonoro palavrão ao colocar o ponto final naquele que seria o seu livro mais famoso: o Menino Maluquinho. Em seguida, virou-se para o então colega de redação do Pasquim, o futuro casseta Reinaldo, e profetizou: “Esse livro vai emplacar. Você não perde por esperar…”. Corujices à parte, Ziraldo Alves Pinto tinha razão. Quase 15 anos depois, o filho mais ilustre do cartunista já chegou ao teatro, cinema, internet e tirinhas de jornal. Só faltava a televisão. Faltava. O livro Menino Maluquinho vai virar seriado também. O projeto é um dos trunfos da Rede Brasil para renovar sua programação voltada ao público infanto-juvenil. “O público infantil está desassistido na tevê aberta. A oferta do material estrangeiro é grande, mas a produção nacional é importante para a formação audiovisual das crianças”, justifica Beth Carmona, presidente da TVE.

Na hora de tirar o projeto do papel, Beth confiou a responsabilidade a quem entende do assunto: o diretor Cao Hamburguer e a roteirista Anna Muylaert. No currículo da dupla, os respeitados Cocoricó e Castelo Rá-Tim-Bum, ambos produzidos pela TV Cultura e ainda reprisados pela Rede Brasil, sempre com bons índices de audiência. A roteirista Anna Muylaert adianta que a série vai ter uma temporada inicial de 26 episódios, com meia hora de duração. “É uma honra e uma delícia levar o Maluquinho para a tevê. Estou com o maior tesão.

Mesmo porque há muito tempo eu não faço televisão…”, admite ela que, nos últimos anos, esteve envolvida com as filmagens de Durval Discos, que marcou sua estréia no cinema.

Diferentemente da roteirista, Menino Maluquinho já havia estreado na tela grande em 1995, pelas mãos de Helvécio Ratton. Três anos depois, uma nova versão cinematográfica. Dessa vez, sob a responsabilidade de Fernando Meirelles, o mesmo do cultuado Cidade de Deus. Em ambos os filmes, o personagem-título foi vivido pelo carismático Samuel Costa, escolhido entre outras 1.300 crianças.

Meninice atual

Embora tenha gostado dos dois filmes, o diretor Cao Hamburguer avisa que a versão televisiva do personagem vai trilhar novos caminhos. “Os dois diretores optaram por uma infância muito romântica e saudosista. Na tevê, queremos mostrar a infância como ela é nos dias de hoje”, observa o diretor.

De fato, a infância do Menino Maluquinho é nostálgica por ser a mesma do seu criador. Nascido na pequena Caratinga, no interior de Minas Gerais, Ziraldo parece voltar no tempo ao enumerar as suas muitas brincadeiras de criança. “A minha infância foi muito boa. Rodei pião, joguei bola de gude, brinquei de cabra-cega, pulei carniça, soltei pipa… Foi um barato”, suspira. A carreira de autor infantil, lembra, começou por acaso.

Em 1969, Ziraldo levou um de seus personagens, Jeremias, o Bom, para o editor Fernando Faro, da Expressão & Cultura. Logo, o sujeito perguntou a Ziraldo se ele não tinha um livro infantil. “É claro que tenho. Te trago amanhã”, respondeu. Mas não tinha. Em três dias, escreveu Flicts. Somente 11 anos depois, voltou a escrever para crianças. Inspirado no próprio filho, Antônio Pinto, criou Menino Maluquinho, que já vendeu 3 milhões de exemplares. “O sucesso do livro mudou a minha vida. Virei autor de literatura infantil”, emociona-se.

Cada um dos envolvidos na adaptação de Menino Maluquinho para a tevê tem a sua teoria para a longevidade do personagem. “O que mais me encanta no Maluquinho é a sua liberdade. Ele é uma criança muito segura de si”, destaca Anna. “Ele tem uma energia e uma curiosidade muito grandes”, observa Cao.

Aos 70 anos, Ziraldo solta uma risada marota ao confessar que a idéia estapafúrdia do Maluquinho de andar com uma panela na cabeça era dele mesmo, quando criança. “O Maluquinho é um menino que teve, acima de tudo, amor na infância. Uma criança feliz tem tudo para ser um adulto feliz. Não conheço nenhum canalha que tenha sido uma criança feliz”, conclui Ziraldo.

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