Veríssimo fala da neta, literatura e política

Irônica, política, polêmica, complexa. A obra de Luis Fernando Veríssimo é indissociável de suas posições ideológicas, de sua torcida fanática pelo Internacional de Porto Alegre ou seu amor pelo jazz. Não à toa, esse gaúcho acumula ainda outras denominações: humorista, jornalista, cronista. Está no time dos escritores que mais vendem no Brasil.

Recentemente, tornou-se avô, coisa que, para quem acompanha sua obra, parece apenas ter elevado seu otimismo, apesar de continuar um crítico contundente dos tempos modernos.

“Acho que o melhor humor se faz com encontros, desencontros e pequenas maldades do cotidiano, não com grandes tragédias. Mas uma das maneiras de entender, ou pelo menos refletir sobre questões maiores é usando o humor. Dói menos.”

O escritor – que estará hoje, às 19h30, na Livrarias Curitiba do Shopping Estação autografando seu novo livro, O mundo é bárbaro – E o que nós temos a ver com Isso – conversou com O Estado sobre carreira, família e os novos tempos.

O Estado – Como é a (recente) sensação de ser avô?

Luis Fernando Veríssimo – É ótima. Principalmente porque demorou a acontecer. A Lúcia e eu fazíamos parte do Movimento dos Sem-Netos, criado pelo Moacyr Scliar, e já estávamos pensando em ações radicais, como assaltar um berçário. Mas valeu a espera, a neta é linda.

O nascimento de sua neta Lucinda traz a esperança de um mundo melhor?

Espero que ela cresça num mundo mais solidário.

O slogan no future pregado pelos punks (em especial pelos Sex Pistols, na letra de Anarchy In The UK) está mesmo cada vez mais próximo?

O futuro nunca é tão catastrófico ou tão maravilhoso como o previsto. A tecnologia não trouxe o magnífico mundo novo sonhado no século XIX, mas a conseqüência potencialmente mais destrutiva da tecnologia, uma guerra nuclear, não passou do quase. Ela ainda pode vir, mas eu me recuso a acreditar que somos uma espécie suicida.

Quais você julga serem as maiores barbaridades cometidas pelos seres humanos hoje em dia?

O fanatismo religioso, o capital financeiro criando um mundo de riqueza estéril e desigualdade crescente, a intolerância.

São justamente das desgraças, do caos e das barbaridades que vem a maior fonte de inspiração para se brincar com o humor e fazer dele um elemento indispensável no cotidiano?

Não, acho que o melhor humor se faz com encontros, desencontros e pequenas maldades do cotidiano, não com grandes tragédias. Mas uma das maneiras de entender, ou pelo menos refletir sobre questões maiores é usando o humor. Dói menos.

O que você espera do governo Barack Obama, caso o candidato democrata à presidência dos EUA realmente ganhe?

Ele é um candidato diferente, se vai ser um presidente diferente, não sei. Sua política econômica, como a do Clinton, é parecida com a dos republicanos, talvez com mais ênfase em questões sociais. E ele apressaria a desocupação do Iraque. Mas acho Obama exótico demais para a opinião média americana.

Você compara a China à internet em um de seus textos. Por quê?

As duas são exemplos de negócios gigantescos esperando para serem feitos que ninguém ainda descobriu exatamente como fazer. Eu escrevi que o perigo é a China tornar todo o resto do mundo supérfluo. Com seu poder de produção barata e o tamanho do seu mercado interno, se bastará.

Na sua opinião, qual é a principal diferença entre o Brasil e os EUA (uma crônica do novo livro fala sobre isso)?

Somos diferentes até na geografia, que lá favoreceu e aqui dificultou a conquista do interio,r. Mas a grande diferença, que eu cito no livro, é que os EUA puderam se desenvolver sem ter um EUA lhe dizendo o que podia e não podia fazer.

Por que você pediu ao diabo que o Brasil se tornasse um país escandinavo em vez de pedir um segundo campeonato mundial para o seu Internacional?

Porque seriamos um país mais organizado e menos injusto, apesar de certamente mais chato.

Por que o futuro não é mais o que era?

Pois é. No passado se imaginou um futuro grandioso trazido pela tecnologia, um helicóptero em cada garagem, etc. que não se materializou. Hoje as previsões são de derrocada ecológica e desastre. Mas ninguém previu a era da informática, por exemplo, e outras surpresas como esta podem vir. A desalinização da água do mar, o carro a hidrogênio, etc. Estou contando com as pesquisas com células-tronco para me salvarem do meu coração ruim.

As crônicas para este livro saíram de um universo de 500 textos escritos nos últimos anos. Qual foi o critério de seleção? Como você lida com o corte de algum texto que você julga que deveria entrar na seleção final mas que acaba ficando de fora?

A seleção foi feita pela Isa Pessoa, da editora Objetiva, que foi quem bolou o título. O critério foi fazer um livro não necessariamente sério sobre assuntos mais sérios do que os dos outros livros.

O que você tem escutado de novo no terreno do jazz? Você escreve ao som de música?

Estou naquela fase de só reescutar velhos favoritos. Sempre digo que não confio em músico de jazz que não esteja morto há pelos menos cinco anos. Não escrevo com música. Acho que nenhuma música deve ser só música de fundo. Música boa é para sentar e ouvir.

Serviço:

Lançamento do livro O mundo é bárbaro – E o que nós temos a ver com isso. 19h30, na Livrarias Curitiba Megastore Shopping Estação (Av. Sete de Setembro, 2775).