Aos 44 anos, a ucraniana Valentina Lisitsa é uma das mais conhecidas pianistas no planeta. Diferenciou-se no oceano de jovens pianistas deste início de século 21 ao ser a primeira, dez anos atrás, a fazer do YouTube a chave de seu sucesso (tem mais de 155 milhões de visualizações em seu canal). Vem se mostrando inteira em seu desnudamento digital: dois anos atrás assumiu uma polêmica posição em favor da invasão da Crimeia ucraniana pela Rússia de Putin. Sente-se livre em sua carreira.

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Por que escolheu um repertório particularmente exigente para seu recital único na última terça, 21, em São Paulo, no Teatro Alfa? Possivelmente porque, apesar desse megassucesso nas redes sociais, ainda precisa de legitimação da vida musical clássica convencional, digamos assim. Assim, enfileirou dois monumentos pianísticos – Gaspard de la Nuit, de Ravel, e Quadros de uma Exposição, de Mussorgsky -, emoldurados por peças muito conhecidas, como a Sonata ao Luar de Beethoven e três noturnos de Chopin.

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De um lado, sentimentos saindo do palco para a plateia eletrizada que já a conhece do YouTube. De outro, obras que exigem domínio superlativo do piano.

Beethoven soou meio descuidado, quase como obrigação (mesmo o celebérrimo adagio sostenuto que provocou muitos suspiros), assim como os noturnos. Melhor esquecer essas sobremesas servidas ao público.

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Valentina mostrou do que é capaz no repertório tecnicamente mais exigente. Foi bem na dificílima Gaspard de la Nuit, ciclo de “três poemas musicais” de Ravel. Sua leitura de Ondine entusiasmou, pela leveza na descrição musical da deusa das águas que se declara ao homem que insiste em ficar com uma mulher e enfrenta sua cólera. A transtornada Le Gibet foi o momento mais perfeito da pianista. Gibet é o estrado que sustenta o condenado à forca e possui um alçapão que se abre no momento da execução. São 153 notas-pedal em 52 compassos lentos, inexoráveis, até o pedal final. Scarbo é um gnomo frequente em pesadelos e visões de terror. Bela execução desse scherzo demoníaco.

O ciclo mais ambicioso do recital, Quadros de uma Exposição, apresenta uma escrita muito particular, que está longe das artimanhas de Liszt, por exemplo. Exige do pianista gestos incômodos, posições desconfortáveis para mãos e dedos. Por isso, é muito mais tocada a versão orquestral, por sinal genial, feita por Ravel. Aqui Valentina fez valer uma força física espetacular, um esforço atlético admirável. Ela nasceu para tocar o repertório tecnicamente mais exigente, como o Liszt dos estudos transcendentais, por exemplo.

No final, uma fieira de extras, entre os mais populares de seu canal no YouTube, deixou ainda mais extasiado o público que, de celular em punho, registrou o momento.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.