Um passarinho me contou…

É difícil encontrar alguém que nunca tenha visto um ninho de joão-de-barro. As “casinhas” arredondadas em postes e árvores fazem parte da paisagem – até numa urbana Curitiba. Essa familiaridade acaba ofuscando a engenharia e a perseverança dos casais de Furnarius rufus. Entretanto, essas características despertaram o interesse do fotógrafo (e cinegrafista da TV Iguaçu) Irany Carlos Magno, que abre hoje a mostra João-de-barro, o mais brasileiro dos pássaros.

“O esforço de um casal de joão-de-barro me chamou a atenção: por mais que a chuva destruísse o ninho que eles estavam fazendo na antena da emissora, no dia seguinte eles começavam tudo de novo. Fizeram isso três vezes, até o ninho ficar pronto. Intrigado, peguei a máquina e fui tirar umas fotos – e acabei usando o filme inteiro. Fiquei tão impressionado que resolvi pesquisar e documentar a vida desse passarinho”, relata ele, lembrando de como tudo começou, durante as chuvas de março de 2001.

Um ano e meio depois, Magno já acumulava 8.640 fotogramas e várias fitas de vídeo, que vão dar origem a um documentário e um livro, a ser lançado em 2003. Parte desse trabalho, cem fotos selecionadas pelo curador Nego Miranda, compõe o acervo da exposição.

Ao esquadrinhar mais de três mil ninhos, o fotógrafo solitário desvendou hábitos e mistérios do pássaro: “Além de grande construtor, ele é um excelente meteorologista, pois sempre faz a entrada da casa do lado oposto aos ventos e à chuva”, revela. “O casal também mantém a casa sempre limpa, todos os detritos são envolvidos numa bolinha branca, que depois é colocada na terra para servir como adubo”.

Mas o maior mito sobre o joão-de-barro, desmontado pela vigilância do fotógrafo, é a sua fama de assassino cruel. Quem nunca ouviu falar que o macho do joão-de-barro prende a fêmea no interior da casa, depois que ela fica pronta? Folclore, segundo Magno: “Ele fecha mesmo a entrada enquanto a fêmea choca os ovos, mas é para evitar o ataque de predadores. Mas deixa uma abertura secreta, por onde ela pode sair”, garante.

Nas suas andanças atrás do pássaro, Magno observou ainda que o joão-de-barro está deixando os campos e pastagens para se instalar nas cidades, em virtude da caça predatória e da destruição do seu habitat natural. “E eu redescobri a lealdade, a cumplicidade do casal, o valor da família, a cooperação mútua e o empenho em construir juntos. Para eles não existe essa história de ‘eu trabalho para mim, você que se vire’. Aprendi muito com eles”, admira-se.

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Vernissage com show do Viola Quebrada hoje às 20h, no Memorial de Curitiba. Visitação até 9 de fevereiro, e depois segue para Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia.

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