Um divórcio litigioso

Terminou de maneira melancólica a relação de quase trinta anos entre o maestro e cravista Roberto de Regina e a Camerata Antiqua de Curitiba, que ele ajudou a fundar. O seu contrato como maestro titular  venceu no final de 2001, e não foi renovado, graças a uma decisão do conselho do grupo, que defendia que a Camerata ?navegasse novos mares?. Desde então, Roberto foi considerado maestro emérito, e vinha participando esporadicamente como convidado. Ele estaria à frente dos concertos da próxima semana, na Igreja do Bom Jesus e no Teatro Londrina, em Curitiba. Mas recebeu uma carta da FCC, informando que, ?por restrições orçamentárias?, estava dispensado das apresentações.

 

?Acho que a Prefeitura se deu conta de que o meu contrato não estava dentro da lei, que caracterizava vínculo empregatício, e resolveu me dispensar?, desconfia o maestro, que vive no Rio de Janeiro e vinha toda semana a Curitiba. ?Não me importo de ter sido afastado, só fiquei magoado pelo pouco caso, pela maneira deselegante como foi feita a coisa. Compreenderia perfeitamente se tivessem se reunido comigo e explicado a situação, mas ninguém me avisou nada. Não esperava honras ou homenagens, mas pelo menos o reconhecimento por todos esses anos de dedicação. Sinto-me como um pai chutado de casa pela filha querida.?

Contrariado, o maestro resolveu entrar com uma ação trabalhista contra a FCC, pedindo os direitos pelo vínculo empregatício que supostamente teria se caracterizado. E acha que foi esta a razão do cancelamento da sua participação nos concertos da próxima semana. ?O coro tem um vínculo forte comigo, eles queriam que eu participasse, mas, de repente, eu estava fora?.

 

Conselho

 

Roberto reconhece porém que a não-renovação do seu contrato foi uma decisão do conselho que representa os músicos. ?Comigo a Camerata sempre teve uma filosofia de especialização em música renascentista e barroca, e eu fiz um trabalho com aquela garotada que certamente a levou a grandes alturas musicais?, lembra. ?Mas alguns voaram muito alto, deixaram o ego inflar, e passaram a querer ser uma orquestra versátil, voltar-se ao repertório moderno… e assim, o Conselho, que manda mais que a Prefeitura e a Fundação, julgou que eu não era mais necessário.?

 

Atualmente, o maestro, que não faz muito lançou um CD duplo com as obras completas para cravo do compositor francês Jean-Phillippe Rameau, tem recebido escolas municipais para concertos didáticos, está trabalhando no planejamento do Festival de Guarativa e acaba de ser convidado para reger a Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo e o Coral Paulistano. ?Estou em plena atividade, dando concertos adoidado.? Para Curitiba, volta para uma audiência com o advogado e um recital no próximo dia 21 no Clube Concórdia, em homenagem ao padre Penalva. ?É uma página virada, mas não fui eu quem virou.?

 

Decisão foi dos músicos, diz FCC

 

O presidente da Fundação Cultural de Curitiba, Cassio Chamecki, informou a O Estado que a saída do maestro da Camerata se deu de acordo com uma decisão do conselho da instituição, aprovada pela FCC. ?O maestro não foi afastado, nem teve o seu contrato cancelado. Ao final de 2001, quando ele venceu, fizemos uma avaliação junto à Camerata para saber qual seria a política dali em diante. E soubemos que a Camerata estava carente de ?navegar novos mares?, fazer um planejamento de longo prazo, alternando maestros convidados. Reconhecido como maestro emérito, Roberto de Regina foi um desses maestros convidados, tendo se apresentado várias vezes desde então.?

 

Chamecki também negou que o maestro não teria sido informado, ou tratado de forma deselegante. ?Eu mesmo conversei pessoalmente diversas vezes com o maestro, a última delas num almoço. Ele transmitiu a sua estranheza com a posição da Camerata, mas esperava que a situação pudesse ser revertida.?

 

Quanto ao reconhecimento, o presidente da FCC lembrou que no último concerto como regente titular, em 2001, ele mesmo entregou uma placa de agradecimento, flores e outros salamaleques. ?Sem falar no título de maestro emérito?, completou.

 

Sobre a mudança no concerto da próxima semana, Chamecki reafirmou que foi por restrições orçamentárias, nada tendo a ver com a ação judicial movida por Roberto de Regina: ?Ainda não vi a ação, mas ela deve dizer respeito também a um período bem anterior à minha gestão. Não teria o maior cabimento qualquer tipo de represália?.

 

Nesse caso, o maestro poderia voltar a ser convidado para reger a Camerata, mesmo tendo entrado na Justiça? ?Isso não impede que ele volte a reger, ou que participe das comemorações dos trinta anos. Acredito que ele até pode fazer parte. A responsável é a Janete Andrade, consultora da Camerata, junto com o Conselho. Eles têm total liberdade para decidir.? Logo, a volta do maestro é bastante improvável. (LP)

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