Um Brasil musical e muito diferente

Uma das cantoras negras mais populares de todos os tempos morreu na segunda-feira. Aproveitando a matéria da Agência Estado: “Morreu aos 76 anos a cantora sul-africana Miriam Makeba, vítima de parada cardíaca, em Castel Volturno, no sul da Itália, após cantar em um show contra o racismo e a Máfia.

Miriam ficou conhecida como Mama África. (…) Miriam tornou hit internacional a canção Pata Pata, em 1956, e foi inspiradora de divas como Angelique Kidjo, e deixou sucessora – a neta Zenzile Lee também é cantora. Cantando em inglês, francês, árabe, português, kiswahili, shona e bambara, ela conquistou o mundo”.

Pois é. Quem tem mais de 40 anos sabe quem é Miriam Makeba e certamente poderá cantarolar, caso pedido, o início de Pata Pata. Não conseguirá, porque os versos “Sat wuguga sat ju benga sat si pata pata” não são dos mais fáceis para os brasileiros.

Mas não é possível explicar o que Pata Pata fez com a juventude daqui, dali e de qualquer lugar. Em um período em que a garotada buscava música para dançar, Makeba veio com um estilo diferente, inusitado e tremendamente dançante, levando o som que ouvia em Johannesburgo para todo o planeta.

Aqui no Brasil também foi um sucesso e tanto, que refletia nosso “ecletismo” musical. Se hoje nós ouvimos a nossa música popular e temos tremenda influência dos ritmos que vêm dos Estados Unidos, até o final da década de 60 ouvíamos de tudo.

Miriam Makeba era uma que atiçava o público, e lotou teatros quando veio para cá. Mas espanhóis, argentinos, caribenhos, italianos e franceses também faziam sucesso.

Em um dado período, virou moda ouvir música italiana. Domenico Modugno (“Volare, ôô / Cantare, ôôôô…”), Pino Donaggio, Pepino di Capri e, claro, Rita Pavone (e seu Datemi un Martello) fizeram temporadas vitoriosas no Brasil, quase sempre trazidos pelas emissoras de TV de São Paulo – principalmente a Record, que tinha nos programas musicais seu filão mais forte.

No mesmo período, Charles Aznavour e Yves Montand passaram pelo País. O estilo chansonnier de Aznavour ainda faz furor, tanto que ele precisou vir duas vezes ao Brasil este ano. As big-bands do Caribe também emocionavam.

Xavier Cugat – que era espanhol de nascença, e cubano por adoção – era quase “exclusividade” da Antarctica, que patrocinava suas turnês pelo País. Tinha até o mexicano José Mojica, um frei que cantava aqueles bolerões derramados.

Passado o período efervescente da nossa música, que disputava com todos os estrangeiros e levava vantagem, alguns poucos artistas de língua não-inglesa fizeram sucesso.

Podem ser contados nos dedos: Julio Iglesias, Manolo Otero, Luis Miguel, Eros Ramazzotti, Andrea Bocelli, Shakira, Thalia e Ricky Martin. Os últimos três, já dentro de outra realidade na indústria musical, agora cantam em inglês e talvez sejam mais admirados por seus fãs brasileiros – e argentinos, italianos e espanhóis.

Mas não provocaram o furor de Miriam Makeba. Esta, trazendo seu Pata Pata para cá, influenciou uma geração de artistas – alguns que perceberam que o caminho era fazer música “para dançar”; outros que encaminharam seu estilo para a busca das raízes africanas e se deram bem. Makeba fará falta, assim como faz falta uma maior cultura musical realmente “internacional” no Brasil.