Um ano sem Cássia Eller

Música e atitude. O slogan é da MTV, mas cai como uma luva para definir a trajetória da cantora Cássia Eller, morta em 29 de dezembro de 2001, de infarto (e não de overdose, como se apressaram em estampar várias publicações na época).

Morreu no auge, poucos meses depois do lançamento do fenômeno Acústico MTV, o oitavo disco de uma curta e intensa carreira de onze anos. O CD ultrapassou a casa de 1 milhão de cópias vendidas (sem contar a pirataria). No último dia 10 de dezembro, quando a cantora completaria 40 anos, a gravadora Universal lançou um 12º registro, 10 de Dezembro, compilação com onze gravações inéditas produzida pelo parceiro e amigo Nando Reis.

Com Cássia, morre também uma das últimas personalidades “viscerais” da Música Popular Brasileira. Seu vozeirão desafiava os timbres agudos açucarados de Marisas e Calcanhotos, sua performance remetia aos bons tempos do rock?n?roll moleque, e seu modo de vida tinha a ousadia de ser autêntico, ainda que isso significasse ser politicamente incorreto.

Numa MPB, com poucas exceções, cada vez mais apática e estéril – vide a aberração tribalista -, Cássia Eller esbanjava talento e criatividade. Suas versões, escolhidas a dedo, não raro eram superiores às gravações originais -Cazuza e Renato Russo certamente concordariam.

Dona de um temperamento tímido e acanhado na vida pessoal, Cássia explodia no palco. Era provocante, sexy, agressiva, irônica, perturbadora. Causou frisson ao exibir os seios no Carnaval de 2000 em Salvador e no Rock in Rio 3, em janeiro de 2001. E fazia questão de se diferenciar do estereótipo da cantora “bonitinha”, bem maquiada e com roupas da moda. Vestia-se como um adolescente, de uma hora para outra aparecia com um moicano pintado de azul, enquanto urrava no microfone. Era da linhagem de grandes mulheres, como Elis Regina e Rita Lee.

Homossexual assumida, criava o filho Chicão – hoje com nove anos – com a companheira Maria Eugênia Martins, que no ano passado conquistou a guarda definitiva do garoto. E usava drogas – principalmente cocaína, da qual tentou se livrar com um tratamento entre 1998 e 2000.

A vontade de virar cantora desabrochou aos 14 anos, quando ganhou um violão de presente. Mas outros 14 anos se passaram até que ela conseguisse gravar o primeiro disco – Cássia Eller, de 1990, que chamou a atenção pela versão de Por Enquanto, de Renato Russo, e por um arriscado reggae forjado a partir de Elanor Rigby, dos Beatles. Depois vieram O Marginal (1992), Cássia Eller (1994), Veneno Antimonotonia (1997) – com músicas de Cazuza – e Com Você… Meu Mundo Ficaria Completo (1999), além de registros ao vivo e do supracitado Acústico.

A MPB ainda mantém algumas mulheres talentosas, como Zélia Duncan, Ana Carolina e outras. E o rock segue sob as graças da espevitada Rita Lee. Mas com Cássia Eller a vida tinha mais som e fúria.

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