Troca de autor em meio à trama tornou a novela das 8 um fiasco

O estado patético a que chegou “Esperança” é algo que jamais se imaginaria numa emissora considerada a melhor fábrica de novelas do mundo. Os diversos problemas que levaram a produção mais prestigiada da Globo a se tornar um verdadeiro agouro da programação não são menos surpreendentes do que constatar a falta de habilidade da própria emissora em contornar a situação. A escalação de Walcyr Carrasco para substituir Benedito Ruy Barbosa, por exemplo, não se mostrou eficiente. É certo que, em pouco mais de uma semana, a produção ganhou vários capítulos de frente, para alívio do elenco, e teve sua trama alterada consideravelmente. Mas a audiência permanece encalhada nos 36 pontos, sem conseguir alcançar os desejados 40.

Um ponto fraco que vem desde a origem da novela é a escalação do elenco. Mas a falta de tato continua. Colocar Paulo Ricardo para atacar de galã numa produção que necessita de fôlego é, no mínimo, arriscado demais. O cantor até poderia tentar a carreira de ator, mas não estreando numa novela das oito desregulada. Paulo Ricardo tem uma interpretação primária, tanto que o líder do RPM está aparecendo cada vez menos no vídeo. Outro desatino é convocar Osmar Prado para a novela. Com o alco-ólatra Lobato, de “O Clone”, ainda forte na memória do espectador, não é difícil chegar à conclusão de que escolher outro ator entre as dezenas de contratados da casa seria mais indicado.

Arapuca

O fato de vários personagens não manterem uma linha de ação de acordo com as características contidas na sinopse de “Esperança” também é uma arapuca. Novela é uma obra aberta, mas precisa ser coerente. O espectador, identificado com o perfil de determinado personagem, se sente traído com desvios de conduta descabidos. Lúcia Veríssimo, por exemplo, deixa evidente que a metamorfose da vilã Francisca em cúmplice apaixonada de Farina, papel de Paulo Goulart, não só pode ter confundido o público como tirou o seu próprio entusiasmo pela personagem. O mesmo aconteceu com o Tony de Reinaldo Gianecchini.

O estilo que Benedito e Luiz Fernando Carvalho anunciaram na estréia da novela também descambou. “Esperança” está longe de ser a produção que faria uma radiografia da situação política do Brasil na década de 30 e que mostraria a mistura de culturas estrangeiras no país, como a italiana, espanhola e judia. Sob a pena de Carrasco, aliás, o que seria uma espécie de continuação de “Terra Nostra” está mais para uma extensão da divertida “O Cravo e a Rosa”, novela das seis também assinada por ele, e que se passava nos anos 30. E, embora incoerente, talvez esteja nesta mudança de rota a saída para a novela ganhar fôlego e chegar até o meio de fevereiro, quando a próxima das oito “rende” a atual.

“Esperança” se transformou na história de Zequinha, o caipira vivido por Marcos Palmeira. A novela agora é mais sobre o moço inocente do interior que vai tentar a sorte na avançada cidade grande e menos sobre o italiano que tenta subir de vida na cosmopolita São Paulo. O clichê, já reprocessado inúmeras vezes, inclusive pelos pioneiros Oscarito e Mazzaropi, imprimiu na novela o remédio que pode reanimar o já prostrado elenco de “Esperança”: o humor. Nesta hora, é preciso reconhecer o talento de Marcos Palmeira para incorporar o ingênuo Zezinho, mesmo que de maneira caricata. O importante é que o personagem vive situações mais divertidas que o “sempre em crise” Tony, o que faz a história “respirar”.

Sensualidade

O detalhe importante é a pitada generosa de sensualidade que Carrasco está salpicando em “Esperança”. E isso ele aprendeu com Walter Avancini, falecido diretor que era capaz de incluir participações da transexual Roberta Close e da ex-deputada italiana Cicciolina em produções na extinta Manchete e criar antológicas cenas ardentes com atrizes novatas, como Sônia Braga em “Gabriela” e Taís Araújo em “Xica da Silva”. Em poucos capítulos, Carrasco fez a prostituta Justine tomar atitudes mais condizentes com a profissão e tratou de desnudar Ana Paula Arósio, Priscila Fantin e Gisele Itiê. São iscas de ibope. Aos poucos, Carrasco empurra para baixo do tapete a idéia original de didatismo histórico e transforma “Esperança” em uma chanchada. E enquanto o esperado final da enfadonha trama não chega, “Esperança”, lamentavelmente, é a última que morre.

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