A tragédia é algo pertinente ao ser humano, tendo em vista que este a considera parte de si mesmo. A simples simulação de sentimentos como alegria e prazer já traz escamoteada em si os pressupostos da tragédia. Chorar é muito mais fácil do que rir. Lamentar-se, enclausurar-se no obscuro da vida ou até mesmo o autoflagelo, significam viver intensamente. A solidão, a mágoa e a tristeza engrandecem e tornam a dor muito mais vigorosa e insuportável. E a vida precisa ser apreciada em todos seus meandros. Tocar fundo as feridas da existência humana e senti-las em sua profundidade, enaltece o espírito. Por outro lado, a tragédia desfila suas várias facetas às estruturas de quaisquer circos para amoldar-se ao rosto do palhaço que ri, de tristeza.

Sendo assim, nem o tempo conseguiu discernir o amálgama resoluto entre a dor e a alegria. Esta perspectiva se define ao seguir a trilha aberta a partir da constatação de Antonio Cândido e até através da sugestão feita por Alfredo Bosi, a qual é bastante sinuosa, mas cheia de surpresas agradáveis. Através dela, é possível uma releitura do aspecto folhetinesco de O Filho do Pescador de Antonio Teixeira e Souza, primeiro autor a escrever uma obra em prosa, sendo considerado pioneiro no gênero. No entanto, apesar do mérito, não foi muito feliz com seus escritos e hoje é um autor esquecido. O Filho do Pescador foi publicado em 1843 no Correio Mercantil, pertencente a Paula Brito, jornal este que desempenhou importante papel na atividade literária da fase romântica. Teixeira Souza era empregado e colaborador de Paula Brito e foi em sua livraria que conheceu literatos famosos da época.

Em Teixeira e Souza o que interessa é sua capacidade em superlativar a tragédia, tornando-a, muitas vezes, ingenuamente cômica. Percebe-se este aspecto quando o autor constrói heróis de idoneidade distante do verossímel e malfeitores canastrões de atuação nada convincente. No entanto, a estrutura de sua tragédia vem de encontro aos propósitos dos folhetins apreciados pela população. Era como se o folhetim estivesse arraigado aos costumes da época e, Marlyse Meyer em seu livro Folhetim: uma história, faz uma menção a Teixeira e Souza dentro deste aspecto e destaca o gênero que amarrasse o público e “garantisse sua fidelidade ao jornal, ao fascículo e, finalmente o levasse ao livro”. E destaca que em geral os folhetins nacionais ainda não são suficientemente convincentes e os considera canhestros: ” a exemplo do assumido romance-folhetim do pioneiríssimo mas “tão ruizinho que parece bom”, Teixeira e Souza.”(Meyer, 1996-304)

Por outro lado, Ronald de Carvalho o menciona de forma muito mais complacente dizendo que as situações criadas por ele são valiosas porque devemos a ele a primeira “página desativada de nossa prosa romântica”.

Para Alfredo Bosi, Teixeira e Souza interessa como narrador folhetinesco e acrescenta que a sua literatura é a subliteratura francesa que em seu original ou traduções ruins vai sugerir ao autor os “recursos para montar seus encontros e desencontros”. Destaca também que o romance-romântico dirige-se a um público mais vasto, que atinge os jovens, as mulheres e muitos semiletrados e que esta faixa de leitores tão ampla não condiz com uma literatura com acabamento refinado e de alto nível. Pois este público buscava uma literatura de entretenimento. E neste aspecto Teixeira e Souza entra com seu folhetim e responde aos anseios desta faixa da população. Alfredo Bosi assinala que o que marca a ficção subliterária de Teixeira e Souza é o aspecto mecânico que nela assume a intriga. Sendo esta a essência do folhetim, como em outro nível será do romance policial. Seu folhetim caracteriza-se pelo protelamento da resposta, fazendo com que a curiosidade do leitor cresça e deseje desesperadamente por um desfecho, que só acontece no próximo capítulo. Em Teixeira e Souza estes avanços e retornos são capazes de deixarem o mais calmo dos leitores, furioso.

Antônio Cândido, na Formação da Literatura Brasileira, diz que no “romance folhetinesco do Romantismo, a peripécia consiste numa hipertrofia do fato corriqueiro, anulando o quadro normal da vida em proveito do excepcional. Quer dizer que os fatos não ocorrem; acontecem, vêm prenhes de conseqüências.” Diz também que Teixeira e Souza representa muito bem o aspecto folhetinesco do Romantismo, “em todos os traços de forma e conteúdo, em todos os processos e convicções, nos cacoetes, ridículos e virtudes”. E complementa afirmando que no folhetim, a “fatalidade é quase sempre mero recurso, que supre a capacidade de interpretar a concatenação da vida humana, enquanto o mistério nunca é a opacidade do desconhecido.”

Por sua vez, Silvio Romero, na História da Literatura Brasileira, não poupou críticas a Teixeira e Souza, argumentando que sua obra literária é “uma bagagem literária assaz pesada”, ou: O nosso Teixeira e Souza, não é precisamente um tão profuso e difuso produtor de livros. Mas teria andado bem a escrever menos. Nas letras os mais das vezes, o silêncio é de ouro, e a sobriedade é sempre de brilhante.”(Romero, 1969-829).

O tragicômico O Filho do Pescador, Romance editado em 1843, é uma história com muito suspense, aliás, interrupções forçadas, feitas e justificadas pelo próprio narrador. Inclusive é interessante destacar esta excessiva intromissão do narrador o qual inicia o romance não com as personagens, ou com algo próprio do romance, mas com seus comentários dispensáveis:

E assim segue Teixeira e Souza. Ele que é autor, narrador e interlocutor assumido vai dando palpite o romance inteiro e todos os capítulos, os quais se iniciam com uma espécie de introdução/síntese, a qual tem efeito moralista.

Mas afinal, a tragédia se interpõe a estes efeitos intermediários e já no capítulo IV, acontece a primeira, ou melhor, o trágico incêndio que pressupostamente põe fim a vida de Augusto.

Teixeira e Souza se utiliza de recursos ambíguos, comparações filosóficas e religiosas. Afinal Augusto fora assassinado. Mas isto só se descobre lá frente. Em meio a um clima de desolação arquitetado para levar o leitor mais adiante como um jogo. E as explicações e devidas justificativas aparecem sempre no capítulo subseqüente numa espécie de legenda.

A próxima tragédia é relatada pela própria Laura que conta ter perdido o amante no naufrágio do qual havia sido salva por Augusto, personagem protagonista, exatamente no capítulo onde confessa ter assassinado aquele que salvou sua vida e onde o autor diz: “[…] o criminoso pode esconder seus crimes aos olhos de todo o mundo: nunca, porém, aos olhos de Deus. O mais notável ainda é que o narrador é implacável em seu julgamento. Em ambos estes dois funestos amantes havia, além do crime de incêndio, o de adultério e o da morte de Augusto, o detestável crime da ingratidão.

E como desfecho da história, Laura enlouquece ao deparar-se com Augusto que julgava morto e arrepende-se dos assassinatos e do incêndio e o autor se solidariza: Era, pois, uma nova Madalena, que meditando no amor de Cristo, chorava os erros e os crimes de sua passada vida de pecados.

Como não podia deixar de ser, Laura vai para um convento e a história acaba.

Há que se concordar com Alfredo Bosi, Antonio Cândido e Ronald de Carvalho que, com todos os problemas, Teixeira e Souza era um exímio manipulador de opiniões e criador de narrativas folhetinescas bem ao gosto popular. Parece incrível, mas o parágrafo abaixo pode sintetizar toda a teoria do folhetim daquela época e dos dias atuais. E o segredo é mexer com a emoção e com a curiosidade do leitor, espectador, ouvinte, telespectador etc. Enfim, Teixeira e Souza tinha conhecimento de seu ofício e esperteza suficiente para perceber a impaciência e a curiosidade do leitor, quando diz: “Triste coisa é sem dúvida o escrever uma história, que, bem que ligada em todas as suas partes integrantes é, todavia, cortada de muitos incidentes”.

Ou seja, não há muita distância entre as suas deduções e as deduções daqueles que sobrevivem de criar entretenimento para o grande público. O folhetim atual é estrategicamente trabalhado para prender a atenção. Aquela ingenuidade que vigorava à época do romantismo foi superada pela malícia e pela sensualidade exasperada. Vender a tragédia a preço de banana parece ser a palavra de ordem atualmente.

Maria Helena de Moura Arias é jornalista e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual de

Londrina.helenarias@uel.br
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