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Suíço Milo Rau traz peças sobre violência à Mostra de Teatro-SP

Para um diretor e artista que se interessa pelo tema da violência, o Brasil não passou longe dos olhos do suíço Milo Rau. Durante as eleições presidenciais no ano passado, ele publicou uma carta aberta denunciando casos de homofobia, violência contra a mulher e fake news. Nesta quinta, 14, ele desembarca com A Repetição. História (s) do Teatro (I), que abre a 6ª edição da Mostra Internacional de Teatro São Paulo (MITsp), no Auditório do Ibirapuera. A mostra vai até 24 de março com espetáculos da Suíça, Reino Unido, Itália, Congo, Chile, França e Brasil.

“Dominou os debates” foi o que afirmou o jornal Le Figaro, na estreia da peça no Festival de Avignon, em 2018. Não é por menos. Na montagem, ele cria uma discussão ética e de representação ao retratar uma cena de violência que dura 20 minutos. A peça é inspirada em um caso de homofobia ocorrido em Liège, na Bélgica, em 2012. Um jovem homossexual belga desapareceu após ser visto pela última vez em uma festa. Ao deixar o evento, ele entrou em um carro com mais quatro homens. Duas semanas depois, seu corpo foi encontrado nu e com sinais de espancamento. No julgamento, os agressores afirmaram que “queriam dar uma lição no homo”. “O caso foi um choque para todos, já que as pessoas não se lembravam da última vez que isso tinha acontecido”, afirmou o diretor ao jornal O Estado de S. Paulo.

Em A Repetição, o fundador da International Institute of Political Murder, companhia de teatro documental, um grupo de atores se prepara para encenar esta história, desde a escolha dos papéis, até a cena do assassinato. Seu foco, portanto, é menos o debate sobre homofobia, e mais as brechas entre a ação e sua repetição. “A violência aqui serve para nos revelar as motivações do humano em torturar e machucar outro.” Mesmo assim, ao considerar os diversos casos brasileiros de violência com motivação homofóbica, o diretor afirma que é necessário uma postura de denúncia, seja contra uma pessoa comum, ou mesmo contra o governo. “Homofobia não é algo educado. É estúpido.”

Como artista destaque da mostra, o trabalho de Milo ganha amplitude com mais dois trabalhos, não menos atrozes. Em Cinco Peças Fáceis, Rau recria o horror vivido por crianças que foram vítimas de serial killer Max Dutroux, condenado em 2004 por pedofilia e assassinato. O elenco formado por crianças e adolescentes entre 11 e 14 anos recupera relatos reais das vítimas e familiares. Em uma cena, uma criança diz: “Acho que toda gente merece o seu lugar no palco, porque de outra forma não é justo”. O único adulto em cena responde: “Mas o teatro não é justo, é cruel”.

Crianças

Para o diretor, o ato de reunir crianças no elenco de um debate central sobre um tipo de violência que as envolve é capaz de resgatar uma das forças nativas do teatro. “Por muito tempo, seguimos um teatro ritual sem questionar. Lá, não havia representação, mas o transe. Mesmo assim, existe uma condição nesse teatro, a catarse, que é reparadora. Se, no cinema, uma criança chora uma vez, no teatro será milhões de vezes. Não tem fim.”

O diretor suíço encerra sua participação na mostra com Compaixão. A História da Metralhadora, que deixa traumas pessoais, das últimas duas peças, para avançar em uma abordagem mais geopolítica, sobre as dores que marcam as fronteiras. Aqui, ele reforça sua veia ativista, ao descrever a atuação de ONGs europeias comprometidas em mitigar os danos da exploração em território africano. “É uma peça bastante simples em sua estrutura”, diz. “São duas mulheres, uma nascida na Suíça, e outra de Burundi, uma aldeia rural no Quênia.”

Por meio de entrevistas, o diretor reconstitui detalhes sobre o trabalho dessas ONGs na região e propõe um olhar – ainda que de colonizador – sobre os limites e contradições de valores que deveriam ser imaculados como o humanismo. “As marcas da exploração da Europa na África estão lá, na voz de quem acompanhou e na pele de quem viveu.” Para contrapor tal perspectiva do homem branco europeu, O Alicerce das Vertigens, assinada pelo congolês Dieudonné Niangouna, também integra a programação da mostra. A montagem parte de uma história ficcional para expor a herança da colonização em seu país.

Diante da guerra de narrativas que se tornou o ambiente virtual, tão decisivo para os caminhos políticos de uma nação, Rau intui que o teatro deve apontar – senão clamar – por outros horizontes. Durante a entrevista, por telefone, a profusão de temas escabrosos e chocantes dá espaço para a real motivação do diretor em revirar todos esses assuntos. “Não temos muitos espaços para olhar o mundo de uma forma que nos ajude a repensar. Encontrei no teatro um lugar de compaixão.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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