Stênio Garcia retoma, vinte anos depois, um de seus principais personagens

Na época da primeira versão de “Carga Pesada”, entre 1979 e 81, Stênio Garcia acreditava estar cumprindo uma importante função social ao retratar um caminhoneiro. Mais de 20 anos depois, o ator realiza o desejo de reviver Bino com uma nova visão sobre o seriado. A consciência de classe permanece, sobretudo porque hoje os caminhoneiros enfrentam maiores perigos na estrada, como a disseminação de doenças venéreas e a escalada da violência. Mas Stênio faz questão de acrescentar outro dado. “Há um aspecto mais global, que é ampliar a visão do brasileiro sobre a amizade entre dois homens. Ainda existe muito machismo”, avalia o ator.

Para reacender a relação de Bino e Pedro depois de tanto tempo, Stênio considera fundamental a vivência cênica que teve com Antônio Fagundes durante este período. “Fui irmão dele em ?Corpo a Corpo?, inimigo dele em ?O Dono do Mundo?, o empregado querido em ?O Rei do Gado?”, enumera, emocionado. Mas é com a mesma empolgação que ele fala da recepção a jovens atores, como Wagner Moura, que vive Pedrinho, filho de Bino, e Juliana Knust e Michel Bercovitch, que fazem participações especiais. “Não podemos ficar com um ranço de 20 anos atrás. Temos de acompanhar essa molecada”, incita, animado.

P – O Bino ainda é seu personagem predileto?

R – Em relação ao contexto social, sim. Talvez nem tenha sido o mais reconhecido. Tive personagens mais populares, que alcançavam uma faixa maior, como o Zé do Araguaia, de “O Rei do Gado”. Mas o Bino tem um lado que sempre me agradou muito, que é o de atender a uma classe até então completamente desassistida. O que eu gosto nele é esse engajamento em uma busca social que considero importante.

P – Como você contextualiza essa importância social no mundo de hoje, 20 anos depois da primeira versão?

R – Ainda podemos retratar a realidade brasileira através de dois trabalhadores da estrada. Os problemas que os caminhoneiros enfrentam são maiores hoje e, neste sentido, o programa não poderia ser mais atual. Mas o mais importante é mostrar a amizade entre os personagens. O seriado nos transformou num exemplo da amizade entre homens, que no Brasil ainda é difícil por causa do machismo. Nem pessoalmente nem como personagens temos pudor de mostrar que somos amigos sendo homens. Acho que as pessoas podem observar isso e pensar: “Puxa, posso ter amor a um outro homem, sem a conotação da homossexualidade”.

P – O Bino representou também um passo importante na sua carreira, marcada pela busca por um tipo mais brasileiro…

R – Claro, inclusive como conquista de mercado. Em São Paulo, onde fundamentei minha carreira, sempre tivemos essa preocupação. Atores como eu, o Lima Duarte, o Juca de Oliveira, o Gianfrancesco Guarnieri não tínhamos o perfil para a expressão influenciada pelo cinema americano ou pela cultura européia. Para conquistar mercado, a gente buscou uma expressão brasileira que fosse consumida.

P – Existe algum outro personagem que você gostaria de ter a oportunidade de retomar?

R – Há vários que eu gostaria de experimentar novamente, dentro das possibilidades da idade que tenho hoje. Nunca poderia fazer novamente o Corcoran, que foi muito amado pelo público e por mim, em que eu dava saltos mortais e fazia acrobacias de solo. Mas o Aleijadinho, que representei num “Caso Especial” em 1976, foi um marco importante na minha carreira. Fazia o personagem desde a juventude até a velhice e sei que hoje teria muito mais experiência para retomá-lo.

P – O que você espera acrescentar ao Bino depois de mais de 20 anos de experiência profissional?

R – Tenho um conhecimento enorme dele e um domínio maior dos meus meios de expressão. Meu mecanismo de ator ficou mais treinado, o próprio veículo me ensinou a responder com mais urgência.

É claro que a agilidade física é menor. Antes, eu conseguia pegar o caminhão andando. Hoje não sei se pego, ainda não experimentei. Mas a gente compensa com a agilidade técnica. E os diretores ainda podem aproveitar as cenas em que éramos ágeis e sem barriga para fazer uns “flash-backs”.

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