Sol brasileiro brilha em Cannes

Eduardo “Duda” Valente viveu o que chama de situação surreal no 55.º Festival Internacional do Filme. Seu curta, Um Sol Alaranjado, que venceu o festival do Recife nas categorias de melhor filme e direção de 16 milímetros, ganhou o prêmio da Ciné Foundation como melhor curta-metragem de Cannes em 2002.

Cannes

(AE) – Não representa pouca coisa. O prêmio, que vem acompanhado de um valor em dinheiro – 15 mil euros, aproximadamente US$ 15 mil -, dá ao vencedor o direito de participar da seleção da Mostra Uncertain Regard com seu primeiro longa metragem.

Melhor do que tudo isso – e tudo isso é muito bom, assegura o diretor – é o fato de que ele recebeu o prêmio das mãos de ninguém menos do que Martin Scorsese. Duda, formado pela Universidade Federal Fluminense, é natural de Niterói, no Estado do Rio.

Logo após a premiação, ele jantou não apenas com Scorsese, mas com os demais integrantes do júri. Nomes como o do diretor iraniano Abbas Kiarostami e a atriz Gilda Swenton. “Foi emocionante: de repente, eu estava conversando com Kiarostami e ele me trata de igual para igual, comentando esse ou aquele plano do filme, esse ou aquele detalhe de som ou iluminação”.

Entre o festival do Recife e agora o de Cannes, Duda rodou outro curta. Chama-se Castanho e se baseia numa história de Mário Prata sobre a ligação de uma mulher com um gorila de pelúcia. “Não tem nada a ver com Max Mon Amour, do Nagisa Oshima”, assegura. Ele acrescenta que a seleção da Ciné Foundation este ano foi formada por 16 curtas de ótima qualidade, o que torna seu prêmio ainda mais valorizado. Ele diz que a seleção é feita pessoalmente por Laurent Jacob e aponta numa direção: “Curtas com temas essencialmente humanos, que apontam para personagens em situação de desconforto no mundo atual”.

Um Sol Alaranjado chama-se aqui na França Quatre Jours. É a história de uma mulher que trata do pai doente. Quando ele morre, ela continua executando todos os pequenos gestos que o espectador viu antes. Dá-lhe banho, de comer, atende-o de todas as maneiras. É uma pequena crônica de solidão urbana, feita com delicadeza e talento.

Bonito

Também fizeram bonito outros dois filmes brasileiros que participaram do festival: Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, exibido na mostra oficial não competitiva, e o longa Madame Satã, de Karim Ainouz, na mostra Um Certo Olhar. O filme de Meirelles foi um dos mais comentados na sua mostra, tendo sido muito bem recebido por público e crítica. “Não poderia sonhar com coisa melhor”, comemorava o diretor no final de semana. “O filme já tem distribuidor em todos os territórios do mundo”.

E Madame Satã, um filme arriscado sobre o famoso travesti que aterrorizava o Rio de Janeiro nos anos 30 e 40, também foi bastante elogiado pela crítica – principalmente a européia. A simples presença de Walter Salles no júri oficial, presidido por David Lynch, e de Amir Labaki, presidente do festival de documentários É Tudo Verdade, dão uma idéia do status que o cinema brasileiro – e o latino em geral – tem conquistado perante a comunidade internacional.

Palma de Ouro vai para Polanski

Cannes

(AE) – Sob vaias dos jornalistas que no domingo assistiam à transmissão da cerimônia de encerramento do 55.º Festival International du Film no telão instalado no palais, o cineasta franco-polonês Roman Polanski subiu ao palco do Grande Théâtre Lumière para receber a Palma de Ouro por O Pianista, sua recriação da experiência do pianista Wladislaw Szpilman no Gueto de Varsóvia.

Muitos prêmios foram justos, mas a omissão de Ken Loach (diretor de Doces Dezesseis, que levou o prêmio de melhor roteiro) foi, mais uma vez, imperdoável, e a Palma para O Pianista, excessiva, para dizer o mínimo. No ano em que a seleção privilegiava as novas tecnologias, o júri escolheu um filme de dramaturgia tradicional mais acadêmico, talvez, do que verdadeiramente clássico.

É a confirmação de que o holocausto continua sendo um grande tema. Polanski usa a história de Szpilman para recuperar a sua experiência no gueto (a dele, no de Cracóvia). Mostra imagens impressionantes do cotidiano da Polônia sob o nazismo, aquilo que Hannah Arendt chamaria de banalização do mal.

É um filme defensável, digno, mas não apaixonante. As escolhas do júri para o Grand Prix e para a melhor interpretação feminina foram mais apreciadas. Venceram o finlandês Aki Kaurism-ki, por O Homem sem Passado, e sua atriz, Kati Outinen. Também foi merecido o prêmio de interpretação para o belga Olivier Gourmet, por O Filho, mas o filme dos irmãos Dardenne – a exemplo de Doces Dezesseis – também tinha condições de ambicionar mais, talvez a própria Palma de Ouro.

Os demais prêmios foram irretocáveis. O do júri foi para o palestino Elia Suleiman, diretor de Divina Intervenção, que também ganhou o prêmio da crítica. O coreano Im Kwon Taek e o norte-americano Paul Thomas Anderson dividiram o prêmio de direção por Bêbado de Mulheres e de Pintura e Punch-Drunk Love, respectivamente.

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