Selton Mello fala sobre a direção de seu 1° longa

Um dos rostos mais conhecidos da TV brasileira, Selton Mello começou a atuar em novelas aos oito anos de idade. E, aos poucos, foi construindo uma carreira que partiu da telinha, para o teatro e o cinema. Entre os filmes nos quais se destacou, estão Lavoura arcaica (2001, de Luiz Fernando Carvalho), O que é isso companheiro? (1996, de Bruno Barreto), Guerra de Canudos (1997, de Sergio Rezende), Lisbela e o prisioneiro (2003) e O auto da compadecida (2000, ambos de Guel Arraes), Árido movie (2004, de Lírio Ferreira), O cheiro do ralo (2005, de Heitor Dhalia), Meu nome não é Johnny (2006, de Mauro Lima).

Vários foram os prêmios, nacionais e internacionais, que Selton Mello recebeu por seu trabalho nesses filmes. Selton também dirigiu videoclipes para a MTV e os documentários O mundo de Afonso Brazza (para o Canal Brasil) e Esperando Godot, sobre a peça de teatro homônima dirigida por Zé Celso Martinez Corrêa, para o canal de TV a cabo Multishow. Sua estréia em direção no cinema se deu em 2006, com o curta-metragem Quando o tempo cair. Feliz Natal, em cartaz nos cinemas, é a estréia de Selton Mello na direção de um longa-metragem. O filme não é nada fácil, palatável, “para toda a família”, digestivo, como talvez seu título indique. Pelo contrário. Esse título foi escolhido por pura ironia, porque o Natal que reúne a família dos personagens parece tudo menos feliz. É até mais do que uma família disfuncional essa que se reúne.

Caio (Leonardo Medeiros) é dono de um ferro-velho que tem uma angústia localizada no passado. Na festa encontra com a mãe, a alcoólatra vivida por Darlene Glória, a cunhada (Graziella Moretto) e o pai (Lúcio Mauro), que namora uma gatinha com idade para ser sua neta. Tudo respira um clima de angústia e de sexualidade reprimida. É nesse ambiente que Selton vai buscar um certo sentimento de classe média brasileira, num viés suburbano que lembra, também, o de Nelson Rodrigues, lido, por exemplo, por um Arnaldo Jabor.

P: Como foi o caminho para essa estréia em longa-metragens com Feliz Natal?

Foi natural – quando eu vi já estava dirigindo um longa. Eu sempre achei Natal um troço muito melancólico, sempre via aquilo de uma forma muito obrigatória. E num desses natais, eu pensei: esse período do ano em que está todo mundo à flor da pele é um pano de fundo muito interessante para um filme. E aí resolvi pegar esses meus sentimentos e escrever uma ficção, a história de um cara que voltava numa noite de Natal e tinha que rever o seu passado. Mas se eu ficasse escrevendo esse roteiro até ele ficar bom, eu não ia nunca fazer esse filme. Então, chegou uma altura do campeonato em que eu falei: pô, eu tenho aqui uma história, tenho aqui uma atmosfera, tenho uma família… Agora, vamos para a arena! Eu sabia como queria filmar. Aí que entrou a referência máxima do (diretor americano John) Cassavettes: o fato de ser um ator dirigindo, de trabalhar com pessoas com quem ele tem intimidade, de dar margem ao improviso.

P: O elenco parece ter sido pinçado a dedo, não?

O Léo (Leonardo Medeiros, que interpreta o protagonista Caio) já estava desde o começo no filme, é o cara em que eu confio para ficar por trás da câmera. E o Paulo Guarnieri (Theo, o irmão) era o grande garotão das novelas quando eu era moleque, mas tinha se desiludido com a profissão e montou uma pousada em Paraty e cuida disso há oito anos, distante da vida de ator. Eu fui atrás do cara e perguntei se ele topava voltar a atuar. E o Paulo trouxe uma coisa muito interessante: ele é um ator experiente que estava virgem de novo pelo afastamento. Ele é muito italiano, expansivo, e eu pedi para fazer um personagem que tem um pes,o nas costas. Ele, por ter ficado tanto tempo fora, estava sem vícios e fez muito bem o trabalho. Já a Darlene Gloria (Mércia, a mãe) entrou quando eu estava a seis meses da filmagem e o roteiro ainda não tinha a mãe. A equipe ficou louca quando eu disse que ia ter uma mãe e ela ia ser a Darlene. A simples presença dela botou o filme em uma outra dimensão. Eu digo que esse filme faz uma ponte com o Toda Nudez Será Castigada – no Feliz Natal, ela foi tão longe quanto foi com a Geni, do Jabor. É o retorno de uma musa absoluta do cinema brasileiro.Do mesmo calibre de uma Gena Rowlands ou Bette Davis.

P: E como foi a produção de Feliz Natal?

A parceria com a Vânia Catani e a Bananeira Filmes foi muito importante. Porque era o meu primeiro filme, era a hora de experimentar, de bater com a cara na parede, de errar umas coisas e acertar outras. Se eu tivesse ficado com uma produtora que me castrasse, não ia dar certo. A Vânia me deu asas. Por exemplo: eu resolvi participar da montagem. Quando eu falei que ia fazer isso, teve gente que achou que ia sair um filme de quatro horas de duração! Eu não consigo entender como é que um diretor faz um filme e uma outra pessoa monta. Eu filmo montando, que foi como eu aprendi com o Guel Arraes. Não é um acúmulo de funções, é porque eu sabia qual era o tempo do filme, a atmosfera daquela família. E mais: uma coisa que é muito usada no cinema recente é preparador de elenco, o que está criando toda uma geração de cineastas dependente dessa função. Mas, como ator, eu não consigo conceber isso. O grande barato é descobrir os caminhos com os atores, sem alguém no meio. A cor do filme está ali.

P: Qual o lugar desse filme no mercado?

Eu tenho tido muita sorte. Toda a produção funcionou muito bem e isso se estendeu para a Europa Filmes, que virou nossa distribuidora. Eles curtiram o filme como era, curtiram o cartaz, foram muito generosos. O que eu pretendo fazer no lançamento é estar perto do filho. Não vou atuar no segundo semestre, estou por conta do filme. Vou para onde for com ele, porque agora o que interessa é exibi-lo, fazer debates e ouvir as opiniões. Nisso, eu vou me alimentando para um próximo filme, que certamente virá. Poucas vezes na minha profissão – e eu estou há mais de 25 anos nela! – eu tive tanto tesão quanto em dirigir o Feliz Natal. Tesão ao ponto até de me deixar um pouco em crise com a minha profissão de ator. Hoje, se me botarem dois projetos na frente -um para atuar, outro para dirigir – certamente eu vou dirigir.

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