Numa época em que ainda não havia Pedro Almodóvar, Carlos Saura foi o grande nome do cinema espanhol nos anos 1960 e 70. Em plena ditadura de Francisco Franco, Saura recorria a climas pesados e a alegorias para formular sua crítica ao franquismo. Tudo mudou com a abertura pós-Franco. A ‘movida’ trouxe Almodóvar, Saura descobriu a dança, a música. Sevillanas, Flamenco, Tango, Iberia, Fados. A série continua com Argentina, que estreou na quinta, 6.

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Há quase 20 anos, em 1998, Saura já deu conta do tango como expressão da alma argentina. Eis que ele se volta para outras expressões musicais e dançadas do país vizinho. Zamba, chacarera, chacarita, chamame. A diversidade de ritmos do folclore argentino o leva a visitar o noroeste. A cultura andina é muito rica e diversa, manifestando-se por meio de instrumentos como bumbo e quena.

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No original, Argentina chama-se Zonda e o título designa o vento seco e cálido que nasce no anticiclone do Pacífico e sopra sobre a região de Cuyo, indo dissipar-se pelo Altiplano e no noroeste. O ‘arriero’, viajante, como o vento, disseminou a música pela Argentina. Como nos seus musicais anteriores, Saura convoca grandes artistas de expressão popular e, nesse caso, os leva a encenar seus números num galpão de Buenos Aires. O filme começa com a preparação desse galpão. A câmera soberana é carregada numa grua e rebate no espelho, encarando o público num efeito deslumbrante.

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Felix Monti é o diretor de fotografia e prossegue com a tradição de Vittorio Storaro, que começou fotografando os musicais de Saura. As figuras ‘silhuetadas’ viraram uma característica dos dois e que Saura retoma com Monti. Tudo é muito lindo, mas alguns momentos são deslumbrantes. O canto à lua tucumana é uma obra-prima, mas o que realmente faz a diferença em Argentina são as homenagens. Saura presta duas – a Mercedes Sosa e a Atahualpa Yupanqui.

A zamba, inicialmente chamada de cueca salteña, não é só ritmo. O termo aplica-se a mestiços índios e negros. Mercedes, La Negra, era índia. Canta Todo Cambia – tudo muda, menos o amor por sua gente. Mercedes, a tradição, canta num telão para crianças. Elas marcam o ritmo com as palmas. Representam a mudança. Atauhalpa Yupanqui, o maior músico de folclore da Argentina, interpela ninguém menos que Deus. Tudo pelo social. Para quem ama o cinema cantado e dançado de Saura, esse filme talvez seja o melhor.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.