Samba tipo exportação

O trio paulista Revista do Samba percorre uma trajetória peculiar: depois de gravar o primeiro disco em Berlim para o selo Traumton Records, e ter o trabalho distribuído por toda a Europa, Japão e Estados Unidos, o grupo pede passagem e entra no mercado brasileiro pela gravadora Rob Digital.

Para quem não é ruim da cabeça, nem doente do pé, não há como não gostar de Revista do Samba, o disco. É uma coletânea do que de melhor foi feito em mais de 85 anos de samba, com a assinatura de obeliscos do gênero e uma interpretação na maioria das vezes primorosa de Letícia Coura (voz e cavaquinho), Beto Bianchi (voz e violão) e Vitor da Trindade (percussão e voz).

Depois de uma pequena vinheta escrita por Noel Rosa em 1932, o CD começa em clima de botequim, com o clássico Lata d’Água (1952), de Luís Antonio e J. Júnior, executada corretamente. Segue-se Atire a Primeira Pedra (1944), de Ataulfo Alves e Mário Lago, que começa com um belo arranjo dos três cantando a capella, prejudicado porém pela desnecessária “percussão vocal” de Trindade.

Ela aparece de novo no melancólico samba-canção Me Deixa em Paz (1952), de Monsueto Menezes e Ayrton Amorim. Mas dessa vez, felizmente, quase imperceptível. O clima volta a esquentar na faixa seguinte De Conversa em Conversa, de Lúcio Alves e Haroldo Barbosa. Vitor Trindade se redime pela habilidade na cuíca, enquanto Letícia flutua com desenvoltura pela melodia.

Obra-prima

Está preparado o terreno para A Voz do Morro (1956), obra-prima de Zé Keti, que aqui ganha um belíssimo arranjo que mistura bossa nova com samba-de-breque, coroado no início e no final por uma “lasquinha” de bateria de escola de samba.

O pagode de mesa retorna com Leva meu Samba (1941), sem grandes firulas. O “molho” é o vocal a la Clementina de Jesus de Vitor Trindade, entremeado pelos doces vocalizes de Letícia. A canção seguinte é reconhecida como a certidão de nascimento do samba Pelo Telefone, composta por Donga e Mauro de Almeida em 1917. Ainda que o “pa-pa-ra-pá” soe meio irritante, a música é uma pepita.

Talento

Em Por Causa de Você, Yoyô (1937), de Assis Valente, Letícia Coura mostra todo o seu talento como intérprete, uma verdadeira aula. Cartola e Elton Medeiros entram em cena com a inevitável O Sol Nascerá (1960). Versão competente, porém incomparável à de Beth Carvalho. A maionese desanda no final com o excesso de “cacos” do irrefreável Trindade.

Mas o trio volta a acertar com a bela O Samba e o Tango (1937), de Amado Régis. Letícia presta reverência a Carmen Miranda em Tic-tac do meu Coração (1935), de Alcyr Pires Vermelho e Walferdo Silva. Seguem-se Não Vou pra Casa (1941), de Antonio Almeida e Roberto Roberti, a cruel Apaga o Fogo Mané (1960), de Adoniran Barbosa e Três Apitos (1933), de Noel Rosa com uma inusitada linha de marimba, do alemão Harald Kündgen. Tudo somado, Revista do Samba é um tiro certeiro, porém sem grandes novidades. Mas ganha vários pontos por ter um encarte com as letras e cifras.

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