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Roupa vintage de segunda mão reaparece como alternativa de consumo

Lembra quando fazer compras em brechós era algo estigmatizado e marginalizado? Esse tempo já era. Agora, graças à tecnologia e às mídias sociais, garimpar peças vintage é uma maneira de estar na moda, economizar, ajudar a reduzir o desperdício têxtil e fazer a economia criativa girar. Um dos grandes agentes de difusão dos brechós modernos é o Instagram, que opera não só como meio de divulgação, mas também como um eficiente canal de vendas: ganha o direito de comprar a peça quem comentar primeiro na foto – o que em perfis mais movimentados acontece em segundos.

“Acho que o movimento mais legal da moda hoje é o das pessoas e marcas que vendem suas roupas e acessórios nas redes sociais e fazem disso um negócio. É libertador! Tem muita marca bacana que funciona apenas pelo Instagram”, afirma a jornalista Maria Prata.

Com loja física nos Jardins, em São Paulo, o I Need Brechó tem mais de 60 mil seguidores no Instagram e comercializa itens que vão de R$ 10 a 120 (os mais caros são os jeans customizados). “Há algo de mágico em garimpar a própria roupa. Não é o mesmo do que ir a uma loja em que há vinte blusas iguais. Cada peça conta uma história, e só você vai tê-la”, diz a fundadora Stheffany Alvarez. “As peças são únicas.”

Em alta nos anos 1990, as mom jeans – calças jeans de cintura alta e corte reto – e os daddy sneakers – tênis de solado volumoso e aparência grosseira – fizeram recentemente seu retorno triunfal junto a outros ícones de décadas passadas, como as pochetes e os tons neon. “Para criar o novo, a moda mergulha no universo antigo. A saudade é uma coisa que nos faz sonhar. A década de 1990 está mais forte do que nunca por causa da nostalgia da geração millenial”, explica Paula Merlo, diretora de conteúdo da Vogue Brasil. “Estamos em um momento em que o storytelling está em alta. Até mesmo as influenciadoras agora mudaram de nome e viraram storytellers. A sua roupa contar uma história e ter um significado é muito legal. É mais do que só uma blusa ou uma saia.”

Sócia do brechó B. Luxo e especializada em marketing visual, Paula Reboredo fez de sua loja na Rua Augusta uma Disneylândia para os fashionistas. Por ali, encontram-se peças antigas de grife francesas e italianas, garimpadas no Brasil e na Europa. “Frequento feiras em Londres e costumo vender mercadorias brasileiras e internacionais diretamente para pessoas de equipe de estilo de grandes grifes, como a Dior. Muitos criadores de moda buscam inspiração, justamente, em peças antigas.”

A nova onda de popularidade dos brechós surfa também na contramão das lojas de fast fashion que explodiram nos anos 2000 – afinal, a filosofia em voga hoje é a do consumo consciente, que se traduz em roupas de qualidade, duráveis, únicas e com preços acessíveis. Essa geração está mais antenada, quer saber de onde vêm as roupas e quer ser sustentável em diversos âmbitos.

Ícone do movimento eco-friendly, a À La Garçonne, marca de Fábio Souza, que conta com direção criativa de Alexandre Herchcovitch, surgiu levantando a bandeira do upcycling que consiste na transformação e repaginação de peças e produtos que seriam descartados. Desde a primeira coleção, a marca mistura peças novas com itens de segunda mão estilizados, entre roupas reaproveitadas e acessórios vintage. “Antes de abrir a À La Garçonne, tive um brechó por muitos anos e acredito nesse fundamento”, diz Fábio, que hoje trabalha na loja de Pinheiros com móveis restaurados e objetos de design. Jaquetas antigas com o cordas pintadas à mão (produzidas em edição limitadíssima e vendidas por um valor a partir de R$1890) viraram sucesso entre os mais conectados na moda. “O upcycling é um dos caminhos para a sustentabilidade, mas não é suficiente para dar conta, principalmente quando se refere a outros processos da produção que prejudicam o mundo.”

“Cada escolha de consumo que fazemos impacta diretamente no sistema em que vivemos”, acrescenta Luci Hidaka designer e fundadora de uma grife que leva o seu sobrenome e que vende roupas feitas a partir de peças garimpadas em brechós e bazares. “Minha ideia é aumentar a vida útil das peças sem utilizar materiais poluentes nem processos químicos.”

Embora as raízes da compra, venda e troca de artigos usados remeta à Antiguidade, sua popularização se deu apenas no século 19, na Europa, fruto da crise gerada pela 1ª. e 2ª. Guerras Mundiais. Naquela época, era possível encontrar uma enorme variedade de produtos de segunda mão nos mercados de pulgas e nos bazares beneficentes promovidos pela Cruz Vermelha.

Atualmente, segundo a instituição de caridade britânica Ellen MacArthur Foundation, em apenas um ano são utilizadas 98 milhões de toneladas de petróleo, agrotóxicos e químicos de acabamento/tingimento pela indústria têxtil. E, de acordo com levantamento divulgado no documentário The True Cost (2015), que explora os impactos causados pelo consumo desenfreado da moda, 80 bilhões de peças são produzidas anualmente pelo mundo, 400% a mais do que há vinte anos.

Não estranha, portanto, a força do assunto entre os jovens engajados. “Já temos roupas suficientes no mundo para várias gerações. No Brasil, há um problema grave com a reciclagem de resíduos têxtil. A desfibragem após o consumo é precária”, diz a jornalista Gabriela, do blog Roupartilhei. “A roupa mais sustentável é aquela que já existe. A que já foi produzida e ainda está disponível, aguardando uma nova oportunidade.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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