Requiem por Henrique

Ele costumava dizer que Henrique+ser é fácil; difícil é ser+ Henrique. E eu acredito. Sempre acreditei. Todos esperavam dele justamente isto: que fosse “Henrique” o tempo todo. “Henrique”, sinônimo de “gentleman”, cavalheiro, educado, afável, comunicativo e alegre. Sempre. Ele não tinha o direito de ficar triste alguma vez, por alguma dessas contrariedades que a vida nos traz, de vez em quando. Talvez por isso, ele não achava fácil ser Henrique. Não o tempo todo…

Henrique Chesneau Lenz Cesar. Nome de autêntico diplomata francês – o que, aliás, combinava com suas atitudes elegantes. Perguntei-lhe, certa feita, como deveria pronunciar o apelido “Chesneau”, de origem francesa: se “Chesnô” ou “Chenô” (sem o “s”). Respondeu-me, num chiste, que não tinha importância. Só não iria apreciar muito se alguém pronunciasse “Cheval” (cavalo, em francês)…

Tive o privilégio de ser seu aluno, seu amigo e, durante um inesquecível período de dois anos, um de seus juízes auxiliares, quando foi presidente do Tribunal de Justiça. Cerca de dois meses antes de sua partida, mandei-lhe um cartão, em que recordava justamente o tempo de nosso maior convívio, quando ele esteve na presidência. Respondeu-me prontamente, com sua bela e marcante caligrafia, dizendo de sua emoção ao ser convidado por mim para relembrar aqueles dias felizes de convivência diária, quando tive a honra de privar também da companhia de sua belíssima família, que de certa forma me adotou – a mim, modesto filho de Caculé, cidadezinha da longínqua Bahia. Eu cá, talvez um tanto egoísta, fiquei sentido porque ele não cumpriu a promessa de, juntamente com D. Raquel, vir jantar, “um dia desses”, comigo e com Tereza… É que não deu tempo. Acho que havia uma grande festa no Céu, e São Pedro precisava de um tribuno talentoso como Henrique Cesar. E o chamou, bem depressa. E ele se foi, deixando a gente a ver navios.

Sou-lhe grato, meu caro desembargador, por seu incessante incentivo à minha carreira e a meus projetos de vida. Poucos souberam, de forma tão sutil e abençoada, valorizar meu modestíssimo trabalho. Tinha sempre uma palavra de encorajamento e de estímulo. Apoiou o lançamento de meu segundo livro, tendo feito, na ocasião, um discurso bonito e emocionado – e, sobretudo, generosíssimo. Tão generoso, que me fez lembrar uma de suas muitas estórias. Mais ou menos assim. Tendo falecido um cidadão de certa importância na sociedade, preparou-se o respectivo velório com as honras de estilo. Na hora do discurso fúnebre, o orador entusiasmou-se de tal modo, que exagerou – e muito – nos elogios ao finado, atribuindo-lhe “peregrinas” virtudes. A viúva, então, enxugando as lágrimas, pediu ao filho órfão: – “Filho, retire a tampa desse caixão! Acho que não é teu pai que está aí. Devemos estar no velório errado!” Eu, no caso, era o defunto exaltado…

Em minha posse na Academia Paranaense de Letras, não pôde a ela comparecer, mas foi representado pela esposa e filhos, que não se furtaram a ir prestigiar, com sua honrosa presença, o amigo.

Foi o mentor e responsável pela criação da Academia de Letras Jurídicas do Paraná, tendo-me incumbido de, encabeçando valorosa equipe, concretizar seu projeto. Como diria o apóstolo Paulo, não lhes estou narrando esses fatos para deles me vangloriar, mas para que a gratidão que, neste espaço, quero externar ao dileto amigo e amado mestre não pareça vãs palavras ao vento, mas que se alicerce e se cristalize em fatos, e sirva de testemunho às gerações vindouras.

Adeus, meu caríssimo desembargador! Vá com Deus! Vá encantar as cortes celestiais, em tribuna privilegiada, com seu verbo eloqüente e sublime! E, uma vez mais, permita-me dizer a você e a sua amável família: – Obrigado!

Albino de Brito Freire

é juiz de Direito e professor, membro da Academia Paranaense de Letras.

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