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Reinventando Debussy com o Trio Apaches

Os maiores diferenciais do 2º Festival Internacional de Música de Câmara do Sesc são o cuidado na construção do repertório e a excelência artística de cada um dos concertos dos sete grupos internacionais participantes. O concerto do Trio Apaches, na sexta-feira, no Sesc Vila Mariana, comprova esse círculo virtuoso, acrescentando uma terceira qualidade muito bem-vinda: foi construído só com obras do século 20. É isso que o grupo britânico leva para apresentações no interior do Estado.

Estupenda a “recriação” da compositora norte-americana Sally Beamish, de 60 anos, para La Mer, obra-prima orquestral de Debussy de 1905. Atraente e imediatamente capturável por qualquer tipo de ouvido, por causa da utilização da música folclórica armênia, o trio de Arno Babajanian (1921-1983), amigo de Shostakovich, fez par com uma das obras-primas deste último: o trio nº 2, de 1944, réquiem ao amigo e confidente Ivan Sollertinsky, morto aos 41 anos.

Há alguns arranjos na praça de La Mer. Os que conheço são insatisfatórios, pois descartam o essencial nesta música, a paixão pelos timbres. Como o de Carlo Maria Griguoli, feito para o Festival de Lugano de 2013: os três pianos soterram o refinamento da linguagem tão característica de Debussy. Sally Beamish sabiamente segue a máxima debussysta: “Precisei criar luz e sombra, sutilezas de cor. Isso significa explorar o que as cordas e o piano podem fazer em termos de textura”. Usa várias vezes uníssonos para “criar novos ‘instrumentos’ – como misturar azul e vermelho para obter o verde”.

Desse modo, a partitura que preserva o essencial da música de Debussy e especialmente dessa obra, que o dublê de filósofo e musicólogo Vladimir Jankelevitch chama de “sinfonia de murmúrios. Os rumores que sentimos do mar compõem-se de uma infinidade de murmúrios que não percebemos – em Debussy, essas inumeráveis gotinhas minúsculas, das quais nascem esses inumeráveis murmúrios, são”, milagrosamente, completo eu, “convertidos em música”. O derradeiro vértice virtuoso desse círculo foi a performance do Trio Apaches: Matthews Trusler sabe que seu violino mais se integra do que sola; o piano de Ashley Wass é ideal em seu desejo de se integrar sem abrir mão do caleidoscópio sonoro de que seu instrumento é capaz; e o violoncelo de Thomas Carroll adquire naturalmente um papel proeminente nesta versão.

Na segunda parte, duas outras notáveis leituras do trio. De um lado, soou desequilibrado o trio de Babanajian, com uma cantilena central bonita, mas meio deslocada em relação aos movimentos extremos (excelente, sobretudo, o primeiro, um Largo.Allegro Espressivo vibrante). O segundo trio de Shostakovich é desafio constante para os músicos, principalmente no início em harmônicos, Himalaia que todo violoncelista enfrenta e raras vezes consegue fazê-lo sem desafinar. Carroll quase chegou lá. Estupenda a organicidade de interpretação do grupo, formado há pouco tempo, 2012, mas já plenamente amadurecido. No extra, um arranjo matador da cavalgada final da abertura de “Guilherme Tell”, de Rossini.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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