Questão indígena é tratada em exposições na Cidade Universitária

Para os ianomâmis, “a queda do céu” não é uma metáfora – na crença do povo indígena, é possível que chegue o dia em que os espíritos não tenham mais capacidade de sustentar o grande firmamento fraturado pelas ações predatórias do homem. O desabamento seria, digamos, “o fim do mundo”, como afirma Moacir dos Anjos, curador da exposição A Queda do Céu, em cartaz no Paço das Artes. Mostra contundente, ela destaca “trabalhos artísticos que prenunciam, evidenciam e combatem a progressiva despossessão sofrida por populações indígenas iniciada em seu contato involuntário com o colonizador branco: aquele que lhes quis e ainda quer subtrair a sua condição de humanos, e que não suporta o convívio com a diferença”, escreve seu organizador.

É um tema pouco tratado pela arte contemporânea brasileira. Artistas como Cildo Meireles, Claudia Andujar e Anna Bella Geiger participam da exposição por seu real engajamento, há décadas, com a questão indígena – respectivamente, estão representados por peças já históricas como Sal Sem Carne (1975); fotografias dos ianomâmis dos anos 70 e 80; e Brasil Nativo/Brasil Alienígena (1977). Mas a coletiva também aponta criadores recentes, como Paulo Nazareth, cujo vídeo Aprender a Rezar Guarani Kaiowá para o Mundo Não Acabar (2012) torna-se um marcador (neste caso, sonoro) do partido do projeto, assim como os desenhos do xamã Orlando Nakeuxima Manihipi-ther, e expande a discussão para um território além do Brasil por meio de trabalhos de estrangeiros. “O massacre diz respeito às Américas”, define o curador.

Moacir dos Anjos tomou como título da mostra, que pode ser vista até o próximo domingo, 5, a “referência explícita” ao livro A Queda do Céu, do pensador e ativista político ianomâmi Davi Kopenawa e do antropólogo francês Bruce Albert – publicada originalmente em francês, a obra terá edição em português, com tradução de Beatriz Perrone-Moisés, a ser lançada este ano pela editora Companhia das Letras (por ora, está previsto para agosto). A expressão que dá nome a ambos remete a uma imagem poderosa relacionada à finitude, entretanto, é importante ressaltar também a questão da “resistência”, sublinha o curador, presente nos trabalhos expostos.

No caso de Cildo Meireles, que realizou Zero Real, uma “atualização” de 2013 do emblemático Zero Cruzeiro, da década de 1970 – representação de uma nota de dinheiro com a figura de um índio estampada -, é uma surpresa encontrar a materialização dos protótipos em metal de armadilhas dos caminhões que carregam madeira extraída de territórios indígenas, projeto antigo do artista, de 1976. O vídeo da guatemalteca Regina José Galindo também refere-se a uma atitude de reação ao registrar a artista nua ao lado de uma escavadeira (de covas para mortos) em ação. “Alianças com outros sujeitos”, como a da fotógrafa Claudia Andujar, que conviveu com os ianomâmis, é outro exemplo. Destacam-se também as peças do norte-americano Jimmie Durham.

Outra potência de A Queda do Céu é a maneira como “o dado real invade o espaço da exposição”, diz Moacir dos Anjos. “O documental na arte contemporânea vem da necessidade de afirmar as diferenças”, completa. Não é possível não se impactar com as imagens de violência e tensão na instalação Sob as Estrelas, as Cinzas (1992/2015), de Miguel Rio Branco, e nos trechos do filme Martírio (em produção), de Vincent Carelli – em um deles, seguranças de uma fazenda chegam armados ao acampamento de Pyelito Kuesão em Dourados (MS).

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