Gramado (AE) – Cinco filmes brasileiros e cinco latinos integraram a mostra competitiva do 34.º Festival de Gramado. O Festival Latino de Gramado teve um júri impecável, presidido por Ruy Guerra, que fez a coisa certa, premiando a produção mexicana El violín, que será distribuída no Brasil pela Mais Filmes. El violín (O violino) era o filme preferido do repórter da Agência Estado desde que, em maio, integrou o corpo de jurados que outorgou a Caméra d?Or em Cannes, tendo sido voto vencido pelos irmãos Dardenne, que presidiam aquele júri. Mais complicado, o júri do Festival Brasileiro de Gramado, cujo presidente, o mexicano Jorge Sánchez Sosa, não deu as caras, revelou-se de uma inaptidão exemplar.
Não apenas dividiu o prêmio de melhor filme (entre cinco concorrentes!) como escolheu dois filmes tão diversos entre si que deixou claro o impasse – foi um júri que não quis, ou não soube, tomar partido. O que se pode dizer, minimamente, em seu favor, é que os vencedores – Serras da desordem, de Andrea Tonacci, e Anjos do Sol, de Rudi Lagemann -, apesar das diferenças, trabalham com algumas semelhanças. Ambos tratam de dois personagens, um índio que sobrevive ao massacre de sua gente e uma garota vendida pelo pai para se tornar prostituta infantil, que são continuamente usados e hostilizados pelo mundo ao redor, mesmo quando as pessoas parecem lhes estender a mão, em auxílio.
Serras é um filme experimental que trabalha na fronteira da ficção e do documentário; Anjos é uma ficção linear com forte influência do documentário. Lagemann fez um extenso trabalho de pesquisa, construindo seu roteiro (premiado com o Kikito) a partir de depoimentos de meninas prostituídas de todo o País. E só não fez seu filme como documentário porque, se o fizesse, não poderia dar rosto às meninas.
?Todo mundo sabe que existe prostituição infantil, mas as pessoas agem como quem não quer ver. Queria que elas confrontassem o rosto dessas meninas, mesmo que sejam atrizes, numa ficção?, ele disse ao repórter do Estado. Foi outro equívoco do júri – Lagemann fez um trabalho primoroso de preparação de suas atrizes, Fernanda Carvalho e Bianca Comparato, que trabalhou depois na novela Belíssima. Elas são a alma do filme, mas o júri, que considerou Anjos do Sol o melhor, não apenas preferiu outra atriz, Mel Lisboa, num filme para lá de discutível – Sonhos e desejos, de Marcelo Santiago -, como deu os Kikitos de ator e coadjuvante para Antônio Calloni e Otávio Augusto, que são ofuscados pelas duas garotas.
Prêmios
Os demais prêmios da competição latina – especial do júri para o outro mexicano, Mezcal, de Ignacio Ortiz Cruz; melhor atriz, repartido entre as intérpretes de Quatro mujeres descalzas, do argentino Santiago Loza; melhor ator para o genial Don Angel Tavira, que faz o velho Plutarco de El violín – foram de uma justeza irretocável. Você pode não gostar de Veneno da madrugada, mas Ruy Guerra tem um olho, uma inteligência, um conceito do que deva ser o cinema e aplicou tudo isso no júri que presidiu (e que foi integrado por Sérgio Silva, diretor gaúcho, e Jorge Jelneck e Jorge Ruffinelli, dois críticos uruguaios).


