Em 1965 – há 50 anos! -, Peter Sellers já tinha sido indicado e até ganhado o Bafta, o Oscar do cinema inglês. Já tinha sido indicado para o próprio Oscar, o Globo de Ouro. Era considerado excêntrico, irascível, mas um gênio. O biênio anterior havia sido decisivo para esse reconhecimento. Em 1963, Peter Sellers criou um personagem emblemático, o Inspetor Clouseau, na comédia A Pantera Cor de Rosa, de Blake Edwards. Os créditos, com a Pantera animada, fizeram tanto sucesso que os dois personagens estrelaram uma popular série de desenhos na televisão. E, naquele mesmo ano, Stanley Kubrick colocou à prova a versatilidade de Sellers, fazendo com que ele interpretasse diversos personagens na comédia de humor negro Doutor Fantástico – ou Como Parei de Me Preocupar e a Amar a Bomba.

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Nascido em Southsea, Hampshire, em 8 de setembro de 1925 – há 90 anos -, Peter Sellers morreu em 24 de julho de 1980, aos 54 anos. Bem antes do cinema, ficou famosos ainda nos anos 1940 na rádio da BBC. Depois migrou para a TV, com a série The Goon Show. Em 1959, aos 34 anos e já com quase dez de carreira no cinema – iniciada em 1950 -, ganhou o primeiro Bafta por I’m all Right, Jack.

Apesar do brilho cômico, muitos de seus papéis foram dramáticos, principalmente no começo da carreira. Mas o público acostumou-se a vê-lo provocar o riso, e o amava por isso. A Pantera Cor de Rosa, por exemplo, virou série e, em 1964, Sellers já estava fazendo o segundo filme – Um Tiro no Escuro. No ano seguinte, 1965, foi a vez de O Que É Que Há, Gatinha?.

Pode até ser que revista hoje, a comédia de Clive Donner nem seja tão boa e brilhante, mas na época fez sensação porque refletia um movimento cultural da época, o que se chamava de Swinging London. Os Beatles, Mary Quant, a minissaia, a pílula, tudo isso marcou a década conhecida como ‘a que mudou tudo’. Quase como estandarte da época, What’s New, Pussycat? bateu nas telas com humor, colorido e aquela trilha. Peter Sellers faz um sedutor em crise que pede socorro ao psicanalista Peter Sellers. O cara consegue ser no mínimo 100 vezes mais louco que seu pobre paciente. Surgem as maiores confusões e pela tela desfilam belíssimas mulheres – Romy Schneider, Ursula Andress, Paula Prentiss, Capucine. Havia também um cara baixinho de óculos que começava a despontar nos EUA e que ajudou a escrever os diálogos – um certo Woody Allen, que depois virou um dos grandes do cinema, não apenas da comédia, nos EUA.

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Tem gente que jura que Allen aprendeu muito com Peter Sellers. Talvez tenha aprendido principalmente a se esforçar para não ser Peter Sellers. Porque o artista amado era um cara realmente complicado. Sellers revelou um dia que sofreu abuso da mãe autoritária e teve uma infância miserável. Se fez análise, não ajudou muito. Ele se casou muitas vezes, inclusive com a sueca Britt Ekland, que foi bondgirl no filme 007 contra o Homem da Pistola de Ouro, com Roger Moore. Infernizou a vida de todas as mulheres e as dos filhos. A todos submeteu a torturas psicológicas. “Odeio tudo o que faço, não sei como vocês podem gostar”, desabafou numa entrevista. Em 1964, aos 38 anos, ele teve um ataque cardíaco no set de Beija-Me, Idiota e teve de abandonar a produção da comédia de Billy Wilder. Começaram aí os problemas de saúde que se agravaram nos anos seguintes. Na madrugada de sua morte, anunciou que ia excluir a então mulher, Lynne Frederick, de seu testamento, mas não teve tempo e ela ficou com toda a sua fortuna de milhões de libras. Os filhos receberam 800 libras cada.

Apesar da popularidade da série da Pantera e também do culto a Doutor Fantástico, não são poucos os críticos que consideram Muito Além do Jardim/Being There, de Hal Ashby, de 1979, o melhor filme de Peter Sellers. É uma adaptação do livro O Videota, de Jerzy Kocinski, com roteiro do autor. Sellers faz Chance, que viveu a vida toda confinado no jardim do título, recebendo informações pela televisão. Ao ganhar o mundo, diz coisas simples que são aceita como verdades universais e o transformam em guru do presidente dos EUA. Pelo papel, Sellers foi indicado para o Bafta, o Oscar e o Globo de Ouro. Venceu o último. Foi o que se pode definir como despedida gloriosa.

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