Pequenos (só) no tamanho

A prosa curta, ou seja, a crônica e o conto, não deixa de ter profundidade ou contundência devido ao seu tamanho. É o que uma série de lançamentos de autores brasileiros comprova, a começar por Sete vidas – Sete contos mínimos de gato, da escritora Heloísa Seixas.

Em lançamento pela Cosac & Naify, ilustrações e projeto gráfico de Iran do Espírito Santo, Sete vidas traz uma atmosfera onírica, povoada por felinos. (Na vida real, Heloísa Seixas cria seis gatos). A volúpia dos felinos já está presente nas primeiras linhas de “O ritual das lambidas”, conto que abre o volume, e no qual Heloísa afirma sua crença num canal especial de comunicação entre as pessoas e os gatos: “Minha gata sabe que estou aqui. Sabe que a observo de longe”, escreve. O conto remete ainda à lenda de que os gatos têm sete vidas, retomado no conto que dá título ao livro.

“Um dia, um gato” e “Zen” abordam a experiência da perda e exploram a serenidade olímpica dos felinos. “Em cima do piano” cria uma atmosfera de mistério e sobrenatural, bem ao gosto da autora, e tem um final surpreendente, enquanto “A cor do cosmo” brinca com a astronomia. Já “O gato e a pipa” reforça a idéia da semelhança entre gatos e seres humanos, ao menos em relação aos desejos irrealizados, quando, por exemplo, descreve o gato que sonha “com alguma presa inalcançável e fugidia que, por isso mesmo, é sua maior fonte de desejo”.

A Faca, edição também da Cosac & Naify com ilustrações de Tita do Rêgo Silva, traz Ronaldo Correia de Brito, autor cearense também diretor de cinema (Lua Cambará), afiando a escrita. São histórias de amor e de morte, que retratam as tragédias de personagens esmagados pelo destino; histórias de vingança e paixão, de solidão e ciúme, de coragem e traições, de emboscadas de faca ou bala ou armadilhas do coração. Em suas narrativas, atemporais e quase sempre de final surpreendente, Ronaldo Correia de Brito explora os valores de uma cultura onde as relações entre as pessoas são determinadas por regras secas e duras como o ambiente árido do sertão. E faz isso com uma força e uma autenticidade raras, só possíveis em um autor que alia a inventividade ao profundo conhecimento da realidade que aborda.

Pela Record, chegam às livrarias O conde e o passarinho * Morro do isolamento, de Rubem Braga, e A viúva do vestido encantado, de Barros Pinho. Rubem Braga (1913-1990) é aqui relembrado através de sua fase de juventude. São os dois primeiros livros publicados pelo cronista capixaba. Abordando sempre assuntos do dia-a-dia, falando de si mesmo, de sua infância, mocidade, primeiros amores, impregnava tudo que escrevia de um grande amor à vida – a vida simples, não sofisticada, dos humildes e sofredores. Tinha predileção especial pelas coisas da natureza, tomando freqüentemente como tema o mar, os animais, as árvores. Não apenas as suas crônicas de amor e exaltação à mulher, mas também as que dedicou a passarinhos, borboletas, cajueiros, amendoeiras e pescarias são das mais belas páginas de nossa literatura.

E Barros Pinho, poeta piauiense, surpreende mais uma vez como contista, apresentando uma prosa forte e encharcada de poesia. A plasticidade de sua linguagem, a engenhosa construção das estruturas verbais, as sugestões que se deslevam nas entrelinhas, a malícia e irreverência do narrador ficam evidentes nos dezesseis contos que compõem a coletânea.

E, numa mudança radical de tema e paisagem, Flamenco é puro amor (Editora José Olympio, 208 páginas) traz um período romântico do futebol, sob a ótica apaixonada de José Lins do Rego (1901-1957). O livro reúne 111 crônicas selecionadas e apresentadas pelo jornalista Marcos de Castro, que lembra ser o escritor paraibano antecessor de Nelson Rodrigues na escrita sistemática sobre futebol.

O romancista dedica belas passagens a Zizinho, Ademir, Jair, Heleno, Biguá, ídolos de nossas torcidas, mas também revela os bastidores dos clubes, dos dirigentes, histórias vividas fora dos gramados. Este painel é um precioso documento. Mas, documento também, são as notas de Marcos de Castro, fruto de pesquisa minuciosa, atenta, de um profundo conhecedor. E elas nos explicam não só o tempo romântico, mas o futebol de meio século atrás, os clubes, o Flamengo, o Vasco, o Fluminense, o Botafogo, a paixão, a história, um pouco do próprio Brasil e muito de um homem tão apaixonado como Zé Lins. É por isso que o título da coletânea, uma frase que, com certeza, o escritor poderia pronunciar com o coração, com puro amor. Pelo Flamengo ele vivia, pelo Flamengo ele morria de amores.

Voltar ao topo