Pequenas e saltitantes

Poucas, Poucas Pulgas é uma novela sem grandes pretensões. Mesmo assim, vale os 14 pontos de ibope que vem marcando no horário das 20 h no SBT. A história do menino pobre e seu inseparável amigo, o cão Tomas, pode até ser classificada como mais um previsível folhetim mexicano protagonizado por uma criança. Mas Poucas, Poucas Pulgas é bem melhor que aquelas tramas ambientadas em internatos, com uma menina órfã e de trancinhas no papel principal.

De fato, o esperto Danilo, personagem de Santiago Mirabent, tem lá seus encantos. Lembra um pouco o espírito do menino de rua que cativa o personagem Carlitos, de Charles Chaplin, no clássico O Garoto, de 1921. Naturalmente, a presença do fiel companheiro canino ajuda a dar o tom poético – embora não seja vira-lata como no filme, mas um legítimo Golden Retrivier.

Na verdade, Poucas, Poucas Pulgas está recheada de clichês. Um deles é o da menina rica, que não tem o carinho dos pais. Pelo menos a espevitada Alexandra, vivida por Natasha Dupeyrón, não se faz de coitadinha. Ao contrário, dribla com alegria as convenções de uma família arraigada aos preceitos da alta sociedade mexicana – a brasileira é mais vale-tudo. E, para isso, conta com a ajuda da governanta e da empregada – algo bem comum em tramas da terra da tequila. Para completar, a pequena atriz dá um banho de interpretação perto dos intérpretes de seus pais na ficção, os pétreos Gerardo Murguia e Joana Benedek.

Outro caso de típico déjà vu é o do velho rabujento e solitário que, no fundo, tem um bom coração. Difícil é lembrar quantos filmes de “Sessão da Tarde” exploram o mote de uma transformadora amizade entre um velho e um garoto. Na novela, o idoso se chama Julian Montes e é bem interpretado pelo veterano Ignácio López. O personagem foi um grande músico no passado, mas perdeu tudo – inclusive a família – e agora vive enfurnado dentro de casa. Pelo menos até Danilo movimentar sua triste rotina.

Como não podia deixar de ser, em se tratando de uma novela centrada nas crianças, há a “turminha do bem” e a “turminha do mal”. Na escola e na rua, o caráter das crianças se revela na mais tenra idade. A sonsa Bibi, de Nancy Patño, por exemplo, é rival de Alexandra e um protótipo “mignon” da própria mãe, vaidosa e superficial. Já os garotos – amigos ou inimigos de Danilo – têm personalidades bem delineadas, embora um tanto caricatas. É o menino medroso, o inocente, o revoltado… No conjunto, porém, são um retrato das típicas relações de influência que imperam nessa idade. Enquanto isso, os adultos acabam virando joguete das crianças, sempre mais espertas e persuasivas.

A despeito das limitações técnicas, Poucas, Poucas Pulgas não é uma novela malfeita. Só peca pelas falhas de tradução e de dublagem – que não são responsabilidade da Televisa, mas do próprio SBT. Em um capítulo recente, por exemplo, o letreiro na frente do colégio dizia “Escola Pública”, mas Danilo lia “Escola para pobres”. Pode ter sido até uma piadinha quanto ao fato de o personagem ser analfabeto – ou de escolas públicas serem apenas para pobres. Mas, nesse caso, foi humor de gosto duvidoso.

Derrapadas à parte, Poucas, Poucas Pulgas tem um pé no drama e outro na comédia. Mas é, acima de tudo, uma novela leve e fácil de entender. Talvez esteja justamente aí, na simplicidade e ingenuidade de sua trama, o maior atrativo da produção. Afinal, pelo menos para o público representado nos 14 pontos de ibope, a inocente fábula sobre a amizade, de Poucas, Poucas Pulgas, desperta mais interesse que o Jornal Nacional.

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