Peça ‘Marica’ retrata amor e sofrimento

Há alguns anos, quando a Espanha deu início a um processo de recuperação da memória de sua guerra civil, chamou a atenção do ator Washington Luiz o fato de que os restos mortais de Federico García Lorca não terem sido encontrados. “Desde que eu soube disso, comecei a ler tudo que aparecia sobre ele”, diz. Essa obsessão fez com que mergulhasse na obra do poeta espanhol, provocando, também, a vontade de montar um espetáculo. Na pesquisa, Washington descobriu Marica, texto do argentino Pepe Cibrián Campoy, que rendeu o espetáculo homônimo, em cartaz no Teatro Sérgio Cardoso.

Dirigido por Marcio Aurélio, o monólogo mostra os últimos instantes da vida de Lorca, colocando-o de frente ao seu assassino – um adepto do ditador Franco. Enquanto é humilhado e agredido com ofensas que, sobretudo, fazem referências à sua homossexualidade, o poeta revê momentos de sua vida em diferentes facetas, como a política e a amorosa, narrando, por exemplo, a vitalidade de sua relação com Salvador Dalí.

Apesar de o nome da peça lembrar a figura do homossexual, Cibrián explica que o texto não faz esta alusão a Lorca. “Marica não é apenas uma homenagem a Federico. Fala, também, sobre todos aqueles que, na história da humanidade, foram sacrificados por pensarem de maneira diferente”, diz o argentino em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, por e-mail. Um trecho do texto também foi lido por ele no Senado argentino, quando se discutia a aprovação do casamento gay.

De família de artistas, Cibrián tem uma ligação relativamente próxima com Lorca – seus avós o conheceram na Espanha. Da infância, o argentino lembra de quando ouvia conversas de seus pais com profissionais do teatro que trabalharam diretamente com o poeta. “Escutá-los fazia com que se abrisse um mundo em minha cabeça”, diz Cibrián. “Ao ler seus textos, entendi a alma da Espanha e de sua gente e, acredito, a de Federico.”

Apesar de ter como base o mesmo texto, a versão de Washington para Marica é diferente da que Cibrián estreou em 2012, no portenho Teatro El Cubo. Segundo Washington, ele sentava em uma cadeira e lia o texto, lançando as páginas no ar. “É tão bonita a sonoridade do castelhano que você se inebria”, diz o ator. “O Pepe conduz o público, é um verdadeiro maestro de cena. Para mim, esta não seria a melhor forma de executar a peça.” Em sua adaptação, Washington primou pela ação: faz uso amplo do palco para dar vida a Lorca e outros personagens, como os pais do poeta e seu assassino.

Também responsável pela tradução, ele fez 12 versões. Só finalizou o trabalho depois de conversar com Cibrián, que o orientou: “Você não pode ser literal nesta tradução!”. Washington, então, tentou trabalhar, em português, a beleza da sonoridade do castelhano.

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