Peça ‘Anti-Nelson Rodrigues’ é montado no Rio após 41 anos

A peça Anti-Nelson Rodrigues é tão anti-Nelson Rodrigues que foi montada muito mais vezes em São Paulo do que no Rio, cidade na qual o dramaturgo pernambucano se radicou. Escrito após quase uma década sem Nelson criar para teatro, o texto estreou no Rio, em 1974, e, depois da temporada, nunca mais apareceu por lá. Ganha uma nova versão, já em cartaz no CCBB, com direção de Bruce Gomlevsky.

“Não entendo porque esse texto é tão pouco montado”, diz a produtora e atriz do espetáculo, Juliana Teixeira. “Fiquei arrebatada quando descobri o Anti-Nelson. Além de ser uma raridade, uma pérola, o texto mostra o quanto ele estava maduro e sereno a ponto de conseguir debochar de si próprio.”

Escrita sob encomenda da atriz Neila Tavares, a peça conta a história de Oswaldinho (interpretado por Joaquim Lopes), um jovem rico, mimado e trapaceiro que vive de aplicar golpes. Ele tem uma relação levemente incestuosa com a própria mãe, Tereza (Juliana), enquanto ela, escrava de uma dependência emocional, faz de tudo para agradá-lo. Tereza também tenta mediar a relação de Oswaldinho com o pai, Gastão (Rogério Freitas), que não engole a malandragem do filho.

Em um determinado momento, Oswaldinho passa a cobiçar Joice (Yasmin Gomlevsky), moça do subúrbio, ética e cheia de princípios, mas nada inocente. Ele tenta conquistá-la de todas as maneiras possíveis, usando desde galanteios até ofertas de dinheiro. Até aí, puro Nelson Rodrigues. É o final – que, claro, não é revelado nesta reportagem – que surpreende.

No enredo, Nelson faz saborosas referências à sua obra e até a si próprio. Há uma cena, por exemplo, em que um personagem diz: “Segundo Nelson Rodrigues, eu sou um extrovertido ululante!”. Figuras de outros textos também reaparecem, como é o caso de Salim Simão, presente em diversas crônicas do escritor. Ele aparece em Anti-Nelson como o pai de Joice, e, nesta versão, é interpretado por Tonico Pereira. “É incrível que ele tenha conseguido, em seu penúltimo texto, ser mais Nelson do que nunca”, destaca Juliana. “Ele coloca ali seus amigos, sua vida, seus arquétipos, e trata de duas questões: o amor e a solidão.”

Tonico Pereira tem intimidade com a obra do dramaturgo: atuou em peças como O Beijo no Asfalto e Boca de Ouro, além dos filmes Traição (1998, de Arthur Fontes, José Henrique Fonseca e Cláudio Torres) e Vestido de Noiva (2006, de Joffre Rodrigues). “Eu era de esquerda quando comecei a fazer teatro no Rio e as pessoas viam o Nelson com maus olhos, evidentemente pelas posições políticas dele”, conta o ator. “Mas eu lia praticamente tudo que ele escrevia às escondidas, acho ele um gênio.” Tonico diz que tenta ser um ator rodriguiano, tendo a mesma visão de ser humano do dramaturgo, e enxerga afinidades entre ele e Nelson. “Assim como Nelson Rodrigues e Freud, eu tenho o sexo como matéria-prima do meu trabalho. É pretensão, sim, mas sem pretensão não se vai a lugar nenhum”, diz, afirmando que faz, constantemente, personagens com intensa carga sexual.

Segundo Pereira, a brasilidade é a principal característica dos papéis criados por Nelson. Principalmente a brasilidade carioca, suburbana. “A possibilidade de ser ator no Brasil, com essa riqueza de detalhes sociais e culturais, é muito legal.”, diz. “Não tenho inveja de ator americano e inglês. As pessoas falam que o Marlon Brando é maravilhoso, mas o viram quantas vezes? Dez, 15? Sabe por quantos anos você viu o Lima Duarte ou o Paulo Gracindo expostos na TV, no cinema e no teatro? É uma exposição à qual eu não sei se Marlon Brando resistiria!”O REPÓRTER VIAJOU A CONVITE DA PRODUÇÃO DO ESPETÁCULO. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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