Para facilitar a trama, autores de novela reúnem personagens em determinados “points”

Por mais distantes que sejam os universos dos personagens de novelas, eles vivem se esbarrando por aí. Médicos, artistas, professores, operários, estudantes ou desocupados, mais dia menos dia eles acabam entrando no mesmo restaurante, freqüentando a mesma academia, indo ao mesmo show, morando no mesmo local ou recorrendo às mesmas clínicas. Os autores de novelas são unânimes ao reconhecer a importância de locais como estes – e também bares, praias, salões de beleza, fábricas e shopping centers – para a circulação de informações entre os núcleos da história. “Deixar os personagens muito soltos no universo de uma cidade complica desnecessariamente a produção e a narrativa”, resume Sílvio de Abreu, supervisor de texto de Da Cor do Pecado.

Para alguns autores, como Walcyr Carrasco, a praça pública é o cenário ideal, palco de eventos que reúnem boa parte do elenco. “Os grandes eventos dão colorido à novela. E as praças são uma recordação da minha infância”, justifica o autor de Chocolate com Pimenta. O diretor Jorge Fernando apóia plenamente a opção e vê reflexos dela no trabalho dos atores. “Toda semana temos um casamento, uma festa ou um comício. Isso deixa a equipe unida e é ótimo para o trabalho”, avalia o diretor. Outro adepto do clima de “familiaridade” dos centros das pequenas cidades é Benedito Ruy Barbosa, que também atribui a preferência à sua própria experiência de vida. “Como sou fruto deste universo, circulo bem dentro dele”, explica Benedito, que atualmente supervisiona o trabalho das filhas Edmara e Edilene na adaptação de Cabocla, próxima novela das seis. “Além das fazendas dos principais personagens, toda a ação se passa no vilarejo onde fica a casa da Zuca, por onde chegam e partem todos os personagens”, adianta Benedito.

Interiorano

Apesar de ambientar suas tramas numa grande metrópole, Manoel Carlos é outro que reproduz o clima interiorano pelas ruas do Leblon, onde seus personagens se encontram em feiras, praias, elevadores e corredores dos prédios. Mas, como observa Ricardo Waddington, diretor das últimas tramas de Maneco, só isso não é suficiente. Daí a necessidade da criação de locais como a Livraria Dom Casmurro, de Laços de Família, ou o Nick Bar, no hotel de Mulheres Apaixonadas. “É preciso reunir personagens de diferentes classes sociais e atividades. Se existirem muitos universos paralelos, a trama não anda”, observa Waddington. Esta mesma preocupação norteia Gilberto Braga desde a criação da sinopse de suas tramas. É ainda nesta fase que ele imagina ambientes como a discoteca de Dancin’ Days, a estalagem de Força de um Desejo ou, em Celebridade, o Espaço Fama e o bairro do Andaraí. “Sempre me pergunto onde as pessoas vão se ver”, esclarece Gilberto.

Sílvio de Abreu também começa a imaginar os principais pontos de encontro a partir da história. Em Vereda Tropical, o conflito central era entre uma operária e a dona da fábrica. Optamos pela produção de perfumes. Seria mais adequada para uma história romântica que uma linha de produção de peças para automóveis”, exemplifica o autor.

Abrasileirando

Já para Ecila Pedroso, que adapta as novelas da Televisa para o SBT, a preocupação é outra: “abrasileirar” e modernizar as tramas. “Com a escolha dos locais, dá para se fazer o retrato de uma época e de um lugar, além de dar mais colorido e dinamismo à trama”, explica a autora. Seus Olhos, a próxima novela da emissora, vai ter um cyber-café e uma academia como cenários. “A história vai se passar em São Paulo e é em locais assim que os paulistanos se encontram”, acredita.

Nem sempre, no entanto, os pontos de encontro das tramas são tão prosaicos. Romance, a próxima novela das sete, vai ter cenas ambientadas em uma plataforma de petróleo. Os autores Antônio Calmon e Elizabeth Jhin admitem ter dificuldades para usar uma locação como essa, tanto com a captação de som quanto pela impossibilidade de ter sempre equipes de gravação numa plataforma em funcionamento. Mas vão tentar resolvê-las com a criação de cenários que reproduzem os interiores e até parte do exterior da plataforma. “O cotidiano heróico dos trabalhadores e o visual diferente, que inclui cenas submarinas, vão enriquecer nossa dramaturgia”, aposta Calmon.

Sempre buscando um bom lugar

# Quando escreveu Roda da Vida para a Record, Ecila Pedroso apostava todas as suas fichas num cursinho pré-vestibular que abrigaria as discussões dos temas adolescentes. “O cursinho foi reprovado em todas as faculdades. O Ibope ia para traço toda vez que ele aparecia e tive de acabar com ele”, lembra a autora, aos risos.

# Embora urbana, Dinastia, a próxima novela das oito, também vai ter na típica pracinha do interior um de seus grandes pontos de encontro. “Como a novela se passa numa cidadezinha da Baixada, tudo gira em torno desta praça. É um velho recurso das minhas novelas. E é melhor ter um local aberto”, explica o autor Aguinaldo Silva.

# A loja de departamentos Charlô’s, de Guerra dos Sexos, surgiu da vontade do autor Sílvio de Abreu de criticar a sociedade de consumo.

# Depois de terminar Pantanal, Benedito Ruy Barbosa se arrependeu de não ter usado o Rio Dourado entre seus cenários. “Às vezes, a gente conhece uma locação e se esquece de usar. Noutras, chega no meio da história e vê que não pensou num lugar para ambientar determinada situação”, destaca o autor.

Voltar ao topo